14 abril 2011

CAPA E BATINA. DA “LOBA” ECLESIÁSTICA À BATINA LAICA

    Na crónica anterior vimos que a capa e batina começou por ser um traje austero, que nasceu para evitar excessos e soberbas, num ambiente universitário com fortes ligações ao clero e numa Idade Média onde era usual que cada profissão ou condição social se distinguisse das restantes através da forma de trajar.
    Nos Séc. XVII e XVIII, a tónica eclesiástica do traje foi-se acentuando, sendo de realçar a utilização da "loba", espécie de batina ou sotaina eclesiástica sem mangas, guarnecida na frente com duas filas de botões desde o pescoço até abaixo do joelho.
    Apesar de Coimbra ser na altura uma cidade longe da capital, vivendo de e para uma Universidade conservadora e fechada à modernidade, o traje não deixou de ser permeável ao mudar dos tempos e às modas que vinham de fora. Reis Torgal escreve que menos modestos eram os trajes do séc. XIX, sobretudo depois do liberalismo; e o interessante blogue Porto Académico refere uma alternativa à “loba”, mais chique e mais cara, a “abatina”.  
    Como exemplo da degradação dos antigos costumes, atente-se na forma displicente como a outrora respeitosa capa começa a ser traçada! António Rodrigues Lopes acha que o traçar da capa foi primeiramente adoptado da moda afidalgada do Séc. XVII e se inspirou, mais tarde, no jeito como a tricana cruzava o xaile...
    O Séc. XIX – precursor da instauração da República – foi um século de transformações sociais e muito fervor anticlerical, pelo que o rigor do traje e a sua afinidade eclesiástica – “loba”, cabeção, volta,… – foram alvo de grande contestação e geradores de enormes tensões entre os estudantes e vários reitores. Expoente máximo desse confronto foi o odiado reitor Basílio que, em 1859 e segundo Sousa Lamy, ordenou aos estudantes que usassem a batina aberta por detrás, abotoada pelas costas e cosida adiante com uma ordem de pequenos botões de cima abaixo e determinou que os archeiros metessem na prisão os estudantes que andassem com a batina aberta e indecente.
    Mas “o que tem de ser tem muita força” e, já perto do rodar para o Séc. XX, foi permitido de jure o que a prática já vinha consagrando; e o traje académico atingiu uma forma semelhante à que tem hoje. Lendo Ramalho Ortigão (1988), fortemente crítico desta evolução, o cabeção e a volta foram substituídos pelo colarinho postiço e pela gravata do futriquismo liró. A batina degenerou num casaco gebo e mestiço, de padre à paisana. A calça escorreu inartística e besta, pela perna abaixo, esbeiçando apolainada sobre a odiosa bota de elásticos.
    Outra evolução interessante tem a ver com o gorro. Tendo começado por ser um barrete redondo, foi desaparecendo das cabeças – ainda que não do traje – provocando o espanto dos forasteiros que visitavam Coimbra nos sécs. XVIII e XIX, já que andar de cabeça descoberta era singular e esquisito naquela época. Aliás, o facto de andarem em cabelo só abona a favor do bom gosto dos académicos de então, pois que a alternativa era usar um enorme gorro que aparece descrito como sendo um saco preto, que posto na cabeça caía pelas costas e cujo tamanho se imagina quando se sabe que o mesmo servia igualmente para carregar livros, frutas e outros misteres.
    Só que as modas vão e voltam. E o gorro, que no meu tempo tinha caído em desuso, a ponto de não me recordar de ter visto algum nos 12 anos que andei por Coimbra, voltou recentemente a ver-se e, segundo me dizem, mais ainda nas raparigas.
    Vistas que estão as questões de evolução estética da capa e batina, passemos em revista as questões ligadas ao seu uso.
    Durante muito tempo o uso da capa e batina foi obrigatório para o estudante, tal como, aliás, para o lente, ainda que este usasse uma batina comprida até aos pés. Entre 1718 e 1834, esta obrigatoriedade estendia-se a toda a cidade. De 1834 até à implantação da República, em 1910, a capa e batina era apenas obrigatória dentro do perímetro da Universidade.
    O Marquês de Pombal quis acabar com este trajo aquando da reforma que fez da Universidade, em 1772. Deveria ser demasiado jesuítico para o seu gosto. Mas, de acordo com escritos da época, representou-se-lhe, porém, que a Universidade e o País tinham simpatia por aquele uniforme tradicional; que, além disso, para os pobres tinha a vantagem de ser mais barato, que estabelecia melhor semelhança entre estudantes, que lhe poupava inúteis despesas e os livrava de vaidosas ostentações de luxos.
    Havia, no entanto, outras vantagens nesta obrigatoriedade. Os estudantes e professores, como aliás os serventuários da universidade ou dos escolares, usufruíam no passado regalias diversas, das quais se destaca estarem sujeitos a foro e cadeias próprias. Já a Carta de D. Diniz, que estabelecia à época os privilégios da Universidade, proibia às justiças de Coimbra o trazerem violentamente os estudantes a juízo secular, salvo serem compreendidos em homicídio, ferimento, furto, roubo de mulheres ou crime de moeda falsa. Facilmente se percebe que, havendo que distinguir claramente entre dois tipos de cidadãos – os estudantes e os futricas – a existência de um uniforme para os primeiros facilitava as coisas.
    E esta questão deixou raízes tão fundas na sociedade Coimbrã, que seria impensável, no meu tempo, que um futrica se vestisse de estudante, mesmo que fosse apenas para mascarada de Carnaval. Aliás, futrica que usasse capa e batina ficava automaticamente sujeito a ser rapado sem mais contemplações. E cantor lisboeta que o fizesse para cantar um fado na televisão, melhor fora que não aparecesse em Coimbra e ficaria sempre a recear que, mesmo em Lisboa, uma bela noite lhe aparecesse pela frente uma trupe que lhe desse a volta ao penteado...
    E não perca o último episódio desta saga... a transmitir pela Páscoa. ALELUIA!!!

07 abril 2011

AS ORIGENS DA CAPA E BATINA

    Quando em 1537 a Universidade foi definitivamente reinstalada em Coimbra por D. João III, já a capa era utilizada pelos estudantes, aos quais os Estatutos Manuelinos ordenavam, num parágrafo dedicado à honestidade dos vestidos, que os escolares andem honestamente vestidos e calçados , isto é, não tragam pelotes, nem capuzes, nem barretes, nem gibões vermelhos nem amarelos nem verde-gaio, nem cintos lavrados de ouro.
     Na época, a capa fazia parte da indumentária corrente; e uma espécie de túnica preta era característica da indumentária dos eclesiásticos, muitos dos quais frequentavam a Universidade. Eis o embrião da capa e batina, tal como aparece retratada na gravura de Georgius Braunius.
    Como é visível, o traje era muito diferente do de hoje. Mas como as modas sempre existiram e as vestimentas sempre foram evoluindo ao seu sabor, também a capa e batina se foi adaptando ao corte dominante de cada época, embora mantendo sempre um ar austero, de inspiração eclesiástica, adequado ao estatuto social do estudante de então.
    Vogando um pouco ao sabor da tradição, a capa e batina nunca aparece perfeitamente definida, quer no que toca ao seu corte quer no que respeita à forma de ser usada. Contrariamente ao que acontece nos códigos da praxe dos Sécs. XX e XXI, os regulamentos de antanho dedicam-se muito mais a dizer o que não pode ser usado do que aquilo que o deve ser; e fazem-no sempre no sentido de evitar os excessos, a pompa e o gasto de despesas pelos estudantes que cursavam a Universidade.
    É assim que a Ordenança para os Estudantes da Universidade de Coimbra, de D. João III, determina que os académicos não possam trazer barras nem debruns de pano em vestido algum; vestido algum de pano frisado; barretes doutra feição senão redondos; capas algumas de capelo; golpes nem entretalhos nas calças; lavor branco, nem de cor alguma em camisas, nem lenços.
    Estas e outras restrições da mesma índole eram impostas no séc. XVI, altura em que se diz que Luís de Camões terá cursado em Coimbra. Conta-nos Alberto Sousa Lamy que Arnaldo Gama, no romance histórico A Caldeira de Pêro Botelho, referindo-se à indumentária de Luís de Camões, escreveu que ele vinha agora gravemente vestido de académico, com seu barrete redondo, o colar chão e sem nenhum daqueles feitios de rendas, bicos, trancinhas e outras guarnições, das que naquele tempo se usavam, e a aljubeta de pano liso e comprido tinha mais de três dedos abaixo dos joelhos.
    É interessante notar que a capa e batina que chegou aos nossos dias também é, de alguma forma, um traje austero. E que os "legisladores" dos Sécs. XX e XXI – os Conselhos de Veteranos – procuraram igualmente conter os luxos, arrebiques e exoterismos típicos da sua época. Veja-se que os Códigos da Praxe de 1957, 1993 e 2007 obrigam, entre muitas outras limitações, a que a camisa e a gravata sejam lisas, o colete seja não de abas ou cerimónia, e não se usem luvas nem pulseiras. E, no que às raparigas diz respeito, aqueles códigos não deixam também de limitar as suas vaidades: nos de 1957 e 1993 o fato saia-casaco deverá ser de modelo simples e sem gola de pele; no de 2007 as limitações são razoavelmente mais severas.
    Quanto à cor dos trajes, sempre há notícia de que tenha sido uma cor escura. Os denominados Estatutos Velhos – que vigoraram da ocupação espanhola à reforma pombalina e que continham uma lista infindável de limitações tendentes a evitar luxos e espaventos – prescreviam que os estudantes não trarão em nenhum vestido de sotaina, calças ou pelote, as cores aqui declaradas: amarelo, vermelho, encarnado, verde, laranjado, sob pena de perderem os ditos vestidos, a metade para a Capela e a outra para o meirinho, ou guarda das Escolas, qual o primeiro a acusar.
    Esta interessante paleta de cores era proscrita apenas para o que ficava à vista, já que, quanto à roupa de baixo, que os estudantes poderiam trazer para sua saúde, existia maior condescendência, desde que as cores ficasse bem cobertas. É curioso notar que os Código da Praxe de 1957, 1993 e 2007 acolhem estes mesmos princípios ao estabelecer, simplesmente, que a roupa interior e bolsos não estão sujeitos a revista.
    Voltando às cores proibidas pelos Estatutos Velhos, nunca apurei ao certo qual a diferença entre o vermelho e o encarnado mas fica clara a intenção de não utilizar cores garridas, incompatíveis com a austeridade pretendida para o traje e, como já me foi referido, de “tinturaria” mais cara. Fica igualmente claro que cores que encontramos hoje no hábito de algumas ordens religiosas, como o castanho escuro e o pardo, não estavam excluídas. Só não percebo a não proibição do azul… paciência!
    A cor que ganhou foi o preto… a capa e batina que chegou aos nossos dias é preta… e ainda bem, já que assim se chegou a um paradoxo interessante: É que o preto, aquela cor fúnebre e austera, símbolo da morte, do luto e da tristeza, tornou-se, paradoxalmente, por via da capa e batina, a cor da juventude, da alegria e da esperança!
    Não perca os próximos episódios (ver Nota)!

25 março 2011

A CAPA E BATINA VOLTA À RIBALTA

    No rescaldo do Prós e Contras que antecedeu a manifestação da Geração à Rasca, Pacheco Pereira referiu-se aos representantes da AAC naquele fórum como sendo uns tipos vestidos de gafanhoto ou de padres do séc. XVIII. Não gostei da deselegância, já que ninguém precisa de achincalhar as convicções dos outros para defender as suas próprias convicções. E, no entanto…
    A capa e batina, também a mim, apesar do meu passado de estudante de Coimbra, me pareceu algo anacrónica e deslocada naquela plateia do Séc. XXI. E se isto se passou comigo, imagine-se o que não se passará com o comum dos mortais, que vê os estudantes de jeans no seu dia-a-dia, e não entende muito bem por que razão insistem em vestir o “traje académico” – e esta simples denominação diz quase tudo – na Queima das Fitas e mais umas quantas ocasiões. Pensarão que não passa de uma praxe social, tal como vestir um fraque para ir a um casamento ou envergar uma toga para brindar com a Confraria do Vinho do Porto. E, no entanto…
    Tempos houve – até à instauração da República – em que a capa e batina era obrigatória para entrar no Pátio da Universidade, chegando, mesmo – de 1718 e 1834 – a ser condição necessária para um estudante circular na cidade, quer na Alta quer na Baixa. Nessa época ela era um verdadeiro uniforme escolar – o “traje académico”, afinal – acabando por ser abominada como qualquer outro uniforme, até cair em desuso com a implantação da República, para renascer das cinzas na década de 20 – tal como viria a renascer nos anos 80, depois do interregno pós crise académica de 69 e pós 25 de Abril. E, no entanto…
    Ao invés dos dois extremos acima – o “traje-académico-para-as-ocasiões-especiais” e o “traje-académico-por-obrigação” – houve uma época ímpar – dos anos 30 aos anos 60 do século passado – em que a capa e batina era vestida, ao mesmo tempo, com gosto, naturalidade e… necessidade. Gosto de quem se sentia bem a traçar a capa; naturalidade de quem não tinha de ver-se ao espelho pois que, vestindo-a no dia-a-dia, já conhecia a albarda de ginjeira; necessidade de quem tinha na capa e batina o seu melhor e único fato.
    Mas que traje é esse que, à primeira vista, parece de uma incomodidade absoluta mas que tinha, de facto, uma notável capacidade de adaptação a todas as circunstâncias, em todo o lado ficando bem, fosse na sala de aulas ou no banco do jardim, numa celebração académica, num casamento ou numa cerimónia fúnebre?
    Veja-se, a título de exemplo, o que acontecia na Queima do meu tempo: logo quinta- feira à noite, em plena Serenata Monumental, a capa traçada nos defendia do frio cortante das vielas convergentes na Sé Velha. Na noite de sábado, eram os colarinhos à bife e o laço espichado que nos permitiam entrar no baile de gala, capa pelos ombros, disfarçando a batina ainda amarrotada dos apertos da coxia do Teatro Avenida, onde, na noite de sexta, tivera lugar o Sarau. E era com esta mesma indumentária que corríamos à garraiada de domingo. E a mesma capa que servia de manta na praia e servia depois para atiçar o touro, logo na segunda-feira, escorrida pelos ombros, conferia um ar grave e paternal aos quintanistas que vendiam as pastinhas, acompanhados das meninas do Dr. Elísio de Moura. Finalmente, depois de bem pisada nos relvados do Parque da Cidade, servindo de enxerga aos corpos já cansados no final de cada dia, era ainda aquela capa, mil vezes ao ar atirada, o ex-libris do cortejo de terça-feira, enquanto as batinas se travestiam de fraques nos corpos dos cartolados, antecipando-lhes um futuro de prosperidade.
    Tenho vindo a observar, com alguma curiosidade, o renascer da capa e batina, a qual foi considerada nos anos 70 uma espécie em vias de extinção, mesmo em Coimbra, onde a Câmara chegou a promover descontos nos transportes públicos para promoção do seu uso, medida discutível numa época em que os sinais exteriores de riqueza eram tão cobiçados. E o que noto é que, pese embora o ar folclórico e menos genuíno deste “trajar” ou “andar trajado”, os estudantes que o fazem – e não apenas os de Coimbra – evidenciam no gesto um assinalável orgulho.
    Lembro-me de ter visto na televisão,  há já 10 anos, o desfile dos estudantes do Instituto Superior Técnico, de luto pela morte de um seu colega assassinado. Os alunos que seguiam na frente, representando a respectiva Associação, faziam questão de vestir capa e batina. O mesmo tenho visto regularmente em manifestações de alunos de outras Faculdades de Lisboa e demais terras, já sem falar nas Queimas da Fitas, nas Bênçãos das Pastas ou nas tunas universitárias que se multiplicam a cada dia.
    Não há dúvida. A capa e batina extravasou definitivamente Coimbra, não se ficando por pequenos núcleos académicos tradicionais, como Évora ou Santarém, invadiu Lisboa e Porto e consolidou-se como traje académico, ou seja, a vestimenta que o estudante universitário da generalidade das universidades portuguesas usa quando pretende afirmar-se, formalmente, na sua qualidade de estudante.
    Como é evidente, falta ao universitário de hoje alguma cultura sobre as regras ligadas à utilização de um tal traje e, por isso mesmo, os estudantes do IST desfilaram com as abas das batinas abertas, num cortejo de luto!... Talvez aconteça, até, que as batinas que hoje se fazem em Lisboa não tenham casa nem botão na lapela, que as permita fechar em situação de luto; os alfaiates poderão ter pensado que tal casa serviria apenas para pôr um emblema e, sendo assim, uma só casa seria totalmente incapaz de suportar os autênticos “monstruários” de ourivesaria em que se transformaram algumas bandas de batinas que hoje se vêem um pouco por todo o país e sei lá, até, se por Coimbra também! Espero bem que não… e, no entanto…
    Circulou na internet uma Petição Por uma Capa e Batina Negra, a mostrar o desconforto de alguns, em Coimbra, pelas “imparidades” entre o rigor que se exige a quem veste capa e batina e o menor cuidado (ou desrespeito, melhor falando) dos que, simplesmente, “trajam” e se esquecem, quiçá por desconhecimento, do mais a que a capa e batina obriga, nomeadamente quando usada em Coimbra, onde reside a sua origem.
    Mas qual é, então, a origem desse traje ao qual tão bem assenta o adágio popular Quem tem capa sempre escapa? Como o tema dá pano para mangas – fora as bandas e as labitas... – vou ter de me estender por mais algumas crónicas, à maneira das novelas. Não percam os próximos episódios!...
    Zé Veloso
PS: Continua em AS ORIGENS DA CAPA E BATINA, CAPA E BATINA. DA “LOBA” ECLESIÁSTICA À BATINALAICA e CAPA E BATINA. A FÉNIX RENASCE DAS CINZAS 

Nota: A fotografia acima é pessoal e não deverá ser reproduzida.

23 fevereiro 2011

ZECA AFONSO, UMA BANDEIRA DE COIMBRA

    Passam hoje 24 anos sobre a morte de Zeca Afonso.
    24 anos! Como é possível?! Estou a vê-lo entrar no palco para o seu último concerto e arrancar, já sem o fulgor de outros tempos,
        Do Choupal até à lapa
        Foi Coimbra os meus amores
        A sombra da minha capa
        Deu no chão, abriu em flores
para, pouco depois, ter a coragem de cantar, voz embargada pela comoção, a premonitória “Balada do Outono”:
  
        Águas das fontes calai
        Ó ribeiras chorai
        Que eu não volto a cantar
.
    Zeca era, foi, o maior. Todos os outros procuraram imitá-lo, segui-lo, mas de cada vez que o tentavam agarrar ele já não estava no mesmo sítio. A sua incrível intuição musical – Zeca Afonso sabia da música apenas os rudimentos – e o seu apurado sentido poético logo o atiravam mais para a frente.
    Quando a moda era a canção de Coimbra acompanhada à guitarra e à viola, ele surgiu acompanhado apenas pela viola do Rui Pato; quando os demais imitaram as suas baladas acompanhadas à viola, ele surgiu com Maio, maduro Maio, acompanhado pela mini-orquestra e coros dos arranjos do Zé Mário Branco, no mesmo disco em que arriscou lançar uma canção sem acompanhamento algum: Grândola, Vila Morena.
    A saída do LP Cantigas do Maio, cuja novidade não se esgotou ainda, 40 anos depois (!), foi algo que eu costumo comparar ao aparecimento do Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Cada um no seu estilo musical, mas o estrondo foi o mesmo: os consagrados rompiam em absoluto com o que até aí tinham feito, mostrando aos mais novos que “velhos são os trapos”.
    Não conheci pessoalmente o Zeca. Ele era da geração de 50, enquanto eu pertenci à de 60. Mas fui colega de músicos que o acompanharam: Rui Pato, “Bóris”, Phil Colaço, 15 anos mais novos do que ele, o que dá bem a ideia da sua juventude de espírito.
    Zeca Afonso não era de modas. Mas ele acabava por fazer a moda, com o seu estilo anti-vedeta. Como não era capaz de decorar as letras – nos tempos em que cantava fado de Coimbra era a malta que lhe fazia de ponto – começou a cantar com a letra escarrapachada num tripé à sua frente… e a moda pegou. O que até aí era parolo passou a ser chique!
    Sobre o Zeca Afonso muito foi dito e escrito. Mas tem ficado esquecida a sua ligação à Briosa. Zeca Afonso jogou um ou dois anos na equipa B dos juniores da Académica, nos finais da década de 40, a extremo-direito e a interior-esquerdo. Como ele próprio confessou numa entrevista que deu a José A. Salvador poucos anos antes de morrer, foi sempre extremamente irregular: sem saber népia metia assim um golo… mas no desafio seguinte jogava pouco. Não aguentava mais que vinte minutos de jogo.
Pergunta o jornalista: - E se a Académica ia jogar fora, também ias? – É claro. – E se havia porrada no campo? – Considerava uma obrigação, um dever, quase um autêntico juramento, uma autêntica profissão de fé defender a chamada Briosa. E, quando o entrevistador lhe pergunta: – Mas o que te marcou em Coimbra? - responde o mesmo que eu e muitos outros teríamos respondido: – Essa atmosfera romântica e irreverente ao mesmo tempo.
    Depois de Abril, Zeca Afonso passou ainda mais a património nacional e foi bandeira de muitas causas. O seu espírito desprendido, ingénuo, anarquista, revolucionário, “o rosto da utopia” como lhe chamou José Salvador, levou a que se entregasse sem nada pedir em troca às mais diversas causas, tornando-se o patrono dos mais fracos.
    Não admira, por isso, que muitos se apropriassem da sua imagem; e muitos são aqueles que hoje reclamam Zeca Afonso para o seu lado. Mas é bom não esquecer que Zeca foi, antes de mais, um produto de Coimbra e da sua Academia! E é para essa Coimbra e para essa Academia que eu o reclamo.
    Zeca Afonso é vinho da mesma cepa que produziu as gerações solidárias de estudantes da Coimbra dos anos 50 e 60, aquelas gerações que - como escreveu Amadeu Homem num comentário que li no Facebook – partilhavam quase tudo, menos as namoradas.
    O Zeca nunca esqueceu Coimbra e a sua Academia. E nunca as renegou, mesmo que se tenha referido posteriormente aos seus tempos de estúrdia coimbrã com algum distanciamento crítico. Por isso, ao dar no Coliseu de Lisboa o seu último espectáculo, o concerto em que revisitou toda a sua vida artística, fez questão de abri-lo com uma guitarrada de Coimbra, tocada por antigos estudantes de Coimbra, capas negras pelos ombros, numa época (1983) em que nem todos tinham coragem de assumir esse passado que, à altura, era frequentemente tido por reaccionário.
    Zé Veloso

06 fevereiro 2011

BENTES OU VENTES?

    Dizia-se, no meu tempo, que era em Coimbra que melhor se falava o Português. Não admira que assim fosse e admito que ainda assim o seja. Coimbra é uma terra de cultura. Para além disso, é uma terra de passagem, não longe do centro demográfico de Portugal continental. Logo, o português que nela se fala deve ser o mais representativo do país. Em Coimbra não se usa a pronúncia do Norte, nem a de Bijeu, não se diz mensa como em Lisboa, não se diz compádriii como no Alentejo, nem se fala cantando, como acontece em muitas outras terras. A pronúncia de Coimbra não é pronúncia, é o padrão. É como a água pura, cristalina, incolor, insípida e inodora, com densidade 1 a 4 graus centígrados e que ferve a 100, quando à pressão normal.
    Porém, se a pureza da língua era um facto nas gentes de Coimbra, não é menos verdade que as populações rurais dos arredores costumavam trocar os vv pelos bb, tal como é característico do Norte. Mas também aí havia excepções. Recordo que na quinta onde nasci e vivi a meninice havia um criado da lavoura, de nome César, que fazia gala em falar bem, gabando-se de nunca trocar os vv pelos bb, não fosse ele de Ançã, ali tão perto de Coimbra, e adepto da Académica.
    Foi com ele que aprendi a admirar o Ventes, numa altura em que pouco ligava ao futebol, já que os relatos do hóquei em patins eram muito mais emocionantes e as finais tinham um saborzinho a Aljubarrota, com "táctica do quadrado" e tudo – embora, no caso do hóquei, esta táctica estivesse com os de Castela e não com as hostes portuguesas!...
    Mas voltemos ao Ventes. Aos domingos ouvia-se o relato do futebol e às segundas lá vinha o César, doido pela Académica, clube dos estudantes bem-falantes a que ele pertencia por direito próprio – por nunca trocar os vv pelos bb –, lá vinha o César gabar as jogadas e os golos do Ventes: «Ó Zezinho, aquilo é que foi! Grande Ventes!...»
    Não foi apenas ao César que o Ventes enfeitiçou. Enfeitiçou a muitos mais. A sua magia ficou nos olhos de quantos o viram jogar, ou de quantos, como o César, não o tendo nunca visto, apenas o puderam imaginar. Como diria o Poeta, "melhor é experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não puder experimentá-lo".
    E já que entrámos pelo campo da poesia, deixo-vos com a Balada do Bentes, de Manuel Alegre. Quem nunca o viu jogar… que o julgue agora.
    Nem tudo era só bota de elástico
    havia alguém capaz de alguns repentes
    a fuga para a frente e o fantástico
    a festa e a alegria: havia o Bentes.
    Ele fintava ele driblava ele ganhava
    os jogos que ninguém nos consentia.
    Era a Académica e a aventura era a palavra
    que de súbito golo se fazia
    quando corria pela esquerda e nos levava
    nas jogadas da sua fantasia.
    No tempo devagar ele era a pressa
    trazia o imprevisto e o inesperado
    um golo de pé esquerdo ou de cabeça
    que virava o domingo e o resultado.
    Ele avançava sem pedir licença
    contra a rotina o tédio a vida anémica
    era a ousadia e a diferença
    ele era outra maneira – era a Académica.
    Fosse o Porto o Sporting o Benfica
    ele era o que rompia.
    De seus dribles nasciam as serpentes
    como o poema o seu jogo não se explica
    ele era a fantasia
    ele era o Bentes. [1]
    António de Deus Costa de Matos Bentes de Oliveira – o “Rato Atómico”, como carinhosamente era conhecido pelos adeptos da Briosa – nasceu em Braga a 29 de Agosto de 1927 e faleceu com 75 anos a 6 de Fevereiro de 2003 [2].
    É sua a frase «O meu primeiro clube é, como toda a gente sabe, a Académica. O segundo, as reservas da Académica. E o terceiro, os juniores da Académica
    Zé Veloso
[1] Poema escrito para o livro ACADÉMICA, da AAC (OAF) e da Casa da Académica em Lisboa, editado em 1995.
[2] Dados biográficos do Bentes, excepto data de falecimento, obtidos em Académica. História do Futebol de João Santana e João Mesquita.
A fotografia do Bentes foi obtida a partir do livro referido em [1].
A segunda fotografia – Equipa da Académia de 1955-56  foi obtida na internet. 
 



 

23 janeiro 2011

VISITA GUIADA PELA BAIXA QUINHENTISTA

    Como seria Coimbra no tempo de D. Sebastião, aquele rei que em 1570/71 visitou a cidade durante três meses e meio, chegando a assistir a algumas aulas na Universidade, e em 1578 pediu a espada de Afonso Henriques emprestada ao Mosteiro de Santa Cruz para que ela lhe desse sorte em Alcácer-Quibir?
    Ao falar em D. Sebastião poderá parecer que ele teve especial influência no desenvolvimento de Coimbra, mas tal não foi o caso. Se me agarro aqui ao Desejado – quem é que em Portugal nunca se agarrou a um qualquer? – é apenas porque, enquanto decorria o seu reinado, começou a ser publicada uma colectânea de vistas das principais cidades do mundo conhecido, entre as quais se encontra aquela que tem sido referenciada como a primeira gravura retratando Coimbra: a gravura de Georgius Braunius. É através dela que faremos hoje uma visita guiada à zona norte da Baixa de então – ou melhor, à zona norte do arrabalde. Sigamos, então, o cicerone.
    Começando pela esquerda baixa, temos o Campus Arnado, areal que se estendia do Mondego até à zona hoje ocupada pelas Galerias do Arnado. Não nos deteremos por aí, já que no passado dia 6 tivemos uma outra visita guiada por essa zona. Caminhemos, então, mais para Sul (para a direita), onde vemos o largo cercado de casario (cc) em redor da primitiva Igreja de Santa Justa, a qual foi deixada ao abandono no início do Séc. XVIII por as cheias não permitirem a regularidade do culto e, penso eu, por os frades se terem fartado de viver com os pés molhados. A igreja foi reconstruída em terreno elevado, mais a Norte, no local onde hoje se encontra. Apareceria no seu antigo lugar o Terreiro da Erva, onde se vendia o alimento para as cavalgaduras da cidade, que muitas eram, como hoje ainda o são, que o número de cavalgaduras sempre esteve de acordo com a importância das terras!... E que ninguém se ofenda, já que eu me refiro tão somente às cavalgaduras de 4 rodas que, tendo substituído as de 4 patas, continuam a aproveitar o Terreiro para aí descansar das suas caminhadas.
    Saíram os frades, mas por ali se quedaram as mulheres de mau porte, até porque os estatutos da Universidade determinavam que não vivessem da Porta de Almedina para cima mulheres solteiras, escandalosas ou de mau exemplo, em casa própria ou alugada. E por ali se quedaram também as cheias, registando-se que, ainda no início do século XX, havia desgraçados que levavam às costas clientes de certas casas, para que não deixasse ali de ser exercida a mais velha profissão do mundo!
    Quem vive na Coimbra de hoje já mal se lembra do que eram as cheias. Mas a história de Coimbra está recheada de conventos e igrejas tragados pelas águas do Mondego, alguns dos quais têm vindo a ser resgatados, como foi o de Santa Clara-a-Velha e será o de S. Francisco. Outros se perderam para sempre, mas quase se poderia dizer tratar-se de uma ninharia, numa Coimbra que chegou a ter 8 conventos e 22 colégios, todos eles com suas igrejas privativas, sendo que os colégios das ordens religiosas, juntamente com os Reais, constituíam uma rede com funções de pensionato, assistência e ensino, funcionando, nalguns casos, como antecâmara das várias Faculdades, já que o ensino secundário não estava então organizado e por aquela via se fazia a preparação para a entrada na Universidade.
    Mas voltemos à nossa visita e percorramos a Rua da Sofia (ou de Santa Sofia), onde a Porta de Santa Margarida (hh), bem visível à esquerda da gravura, marcava o limite urbano na saída para o Norte. Mandada abrir por D. Manuel I, esta rua era então a mais larga, bela e imponente do país, com as fachadas altivas dos seus colégios, os quais deram mais tarde para tudo, desde quartéis, repartições e hospitais até garagens para recolha de autocarros. Foi um “fartar vilanagem”, depois que o Mata Frades – Joaquim António de Aguiar, o da estátua no largo da Portagem – declarou extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares, íamos então no ano de 1834.
    Caminhando ao longo da Rua da Sofia, em direcção ao centro da cidade, temos à nossa esquerda uma correnteza de edifícios, de onde se destaca o Colégio de Nossa Senhora da Graça (aa), mais tarde transformado em quartel. Aí compareci, sem achar graça alguma, quando chegou a altura de “ir às sortes”, para que os doutores militares me olhassem “como Deus me trouxe ao mundo”, e concluíssem que não haveria sorte para ninguém, já que a guerra de África tinha começado e nem os coxos haveriam de escapar.
    Seguindo o percurso, passamos pelo Colégio de Nossa Senhora do Carmo (Y), em cuja igreja a Rainha Santa descansa três noites de dois em dois anos, e terminamos a visita nos edifícios de planta rectangular e aspecto tenebroso (X) (ver Nota) – onde funcionava ao tempo o Tribunal da Inquisição, espaço hoje ocupado parcialmente pela CGD.
    A Inquisição, chegada a Coimbra em 1541, ocupou aqueles edifícios desde 1572 até à sua extinção formal em 1821. Milhares de homens e mulheres, leigos e eclesiásticos, foram ali interrogados, torturados e sentenciados por delitos de opinião; alguns apodreceram encarcerados até à morte, outros não resistiram aos “tratos de polé”, outros ainda… O historiador Francisco Bethencourt, calculou que houve no Tribunal da Inquisição de Coimbra 10.374 processos, deles resultando 547 condenações à morte.
    A lembrar estes tempos de horror, subsiste hoje o Pátio da Inquisição. E é bom que a toponímia se não altere, para que nos lembremos do quanto evoluímos nos últimos séculos e não nos esqueçamos de que ainda não estamos assim tão longe da barbárie. O último queimado vivo na fogueira em Portugal, pelo crime de ser herege – o jesuíta Gabriel Malagrida – foi-o apenas há 250 anos!
    Nota: Estes edifícios são os antigos colégios crúzios de S. Miguel e de Todos os Santos, que foram cedidos em 1548 pelo Mosteiro de Santa Cruz, para aí funcionar o Real Colégio das Artes, posteriormente transferido para a Alta.

06 janeiro 2011

ÀS VOLTAS COM O ARNADO

Era uma vez um senfilista-amador, de seu nome António Madeira Machado, estudante de Direito, adepto fervoroso da Académica, que a 6 de Janeiro de 1935 – faz agora 76 anos! – mandou para o ar o primeiro relato radiofónico de um jogo de futebol em Portugal, segundo rezam as crónicas de Coimbra. Vide Nota 1.
A palavra senfilista – aquele que comunica sem precisar de fios – caiu em desuso há muitos anos. No meu tempo chamavam-se radioamadores e tratavam-se uns aos outros por “macanudos”. Eram tipos especiais, que tinham em casa um emissor-receptor de ondas curtas e que passavam horas a fio, pela noite e madrugada adentro, contactando outros “macanudos”, cuja cara nunca haveriam de ver, em países e continentes nas quatro partidas do mundo! Parecia estranho…
Mas hoje, na era da informação, com outro poder de compra e com a banalização da tecnologia, os computadores e os routers substituíram os emissores-receptores de ondas curtas, as redes sociais tomaram o lugar dos clubes de senfilistas, os “macanudos” foram destronado pelos “amigos” virtuais e pelos fãs… e já nada parece estranho. - É a internet, estúpido!
Mas voltemos ao relato de futebol. Dizem os livros que a Académica empatou com o União (1-1), apurando-se assim para o campeonato da I Liga; e que a tarefa mais difícil do senfilista foi impedir que os palavrões entrassem pelo microfone para que não se espalhassem pelo ar de Coimbra e arredores, certas palavras de desabafo saídas da boca de alguns entusiastas com a língua menos presa… Mas os livros dizem mais: dizem que o jogo se disputou no campo do Arnado!
Campo do Arnado? Coisa estranha!... Tanto tempo andei por Coimbra e nunca dele ouvira falar. Eu conhecia apenas o Largo do Arnado, espaço que hoje é totalmente ocupado pelas Galerias do Arnado mas que, nas décadas de 50 e 60, era um largo de terra batida, onde estacionavam as camionetas do José Maria dos Santos e dos Oliveiras de Águeda. A carreira para Ançã saía de lá, por isso eu conhecia o largo de olhos fechados. E as camionetas só desamparavam dali quando o Circo Luftman ou o Circo Mariano visitavam a cidade uma vez por ano, com seus trapezistas e palhaços, ilusionistas, equilibristas, cãezinhos amestrados e os famosos Irmãos Brother & seus músculos de aço. Os circos ocupavam todo o quadrado do largo e faziam-se anunciar por uma furgoneta que corria pela cidade. Dizia-se então que o Circo Luftman trazia chuva, o que era de grande utilidade, numa época em que as previsões meteorológicas deixavam muito a desejar.
Para mim… Arnado não rimava com futebol! Mas o livro da dupla João Santana / João Mesquita é rico em fotografias e facilmente me ajudou a localizar o tal Campo do Arnado, que foi construído em 1928 pelo Sport Clube Conimbricence. Ficava um pouco mais para as bandas do rio, a Norte da Rua do Arnado, nas traseiras da fábrica de malhas A Ideal e de umas oficinas que me dizem ter sido de molas para camiões. Na foto do campo (acima), que tem em fundo a silhueta da Alta, vêm-se os pavilhões das ditas oficinas. As ruinas destes pavilhões são reconhecíveis na foto ao lado, que obtive a partir do Google Maps (vide Nota 2), onde assinalei a localização do antigo campo de futebol com uma lágrima vermelha.
E como seria anteriormente, numa altura em que o campo não teria ainda nem balizas nem grande área? À falta de mais fotografias, vamos fazer um zoom sobre a primeira gravura conhecida de Coimbra, zoom este que apanha apenas a parte Norte do arrabalde, da Rua da Sofia ao Convento de Santa Cruz.
Nesta época (finais do Séc. XVI) o Campus Arnado, cujo nome é visível na esquerda baixa da figura, não era mais que um areal (campo arenoso… campo arenado) na margem direita de um Mondego ainda não amuralhado, cujas águas, alteadas pelo contínuo assoreamento do leito do rio, ousavam invadir, em cada Inverno, a área a que hoje chamamos Baixa Velha e o arrabalde que se estendia do rio até à novíssima rua da Sofia.
De tais assoreamentos e inundações se fez a história do desaparecimento de vários conventos e igrejas, que foram depois reconstruídos em cima dos primeiros ou em locais mais altos e distantes do rio, como aconteceu com o Convento de S. Domingos, que teve de mudar-se para a Rua da Sofia apenas 3 séculos depois de ter sido construído em pleno Campus Arnado, já que a força da água começou a lançar as areias por cima das mais altas margens, senhoreando-se do campo, e entupindo cercas, e oficinas. Tudo isto nos conta Borges de Figueiredo. Mas não consegui decifrar onde ficaria exactamente a pequena Capela do Senhor do Arnado, reconstruída em meados do Séc. XVIII, à custa de uma impostura, já que a confraria, não tendo meios para tal, fizeram espalhar a notícia de que o Santo Cristo do Arnado suara sangue e água, no primeiro dia de Agosto; e dali resultou começarem a afluir à capela quantos devotos e beatas havia em Coimbra e nos arredores, deixando à milagrosa imagem muitas e valiosas ofertas. E ainda alguns se espantam que em tempo de crise se procure ultrapassar a dita com uma mentirinha piedosa…
Procurando um pouco mais para trás na História, o cronista Nunes de Leão conta que Afonso Henriques, que à data habitava a alcáçova de Coimbra – onde ficam actualmente os Gerais – querendo tomar Santarém de surpresa mas temendo que as paredes da alcáçova tivessem ouvidos, levou os seus mais fiéis cavaleiros ao Campo Arnado e aí lhes deu conta das suas intenções. De regresso a Coimbra, na companhia de quantos com ele tinham estado, eis que ouvem em plena praça uma conversa entre duas mulheres, comentando a próxima façanha do rei Conquistador. O rei ficou naturalmente furioso e armou uma bronca com os seus, a quem chamou de traidores, mas nunca soube quem relatou o que no Campo Arnado se passara.
Quem teria sido? O cronista pensa que teria sido uma regateira que ouviu a combinação, ocasionalmente, quando passava a caminho do mercado. Eu apenas sei que não foi o senfilista. Esse também haveria de fazer o relato do que se passou no Campo Arnado, mas apenas oito séculos mais tarde.
Zé Veloso
Nota 1  António José Soares (Saudades de Coimbra) e João Santana / João Mesquita (Académica. História do Futebol) afirmam que foi o primeiro relato radiofónico realizado em Portugal mas tal informação não está correcta. A  Estação de Amador CT1GL, propriedade do Capitão Botelho Moniz, que veio mais tarde a fundar o Rádio Clube Português, transmitiu o relato do jogo entre as selecções de Portugal e da Hungria em 1933.
Nota 2 - Esta vista foi retirada do Google Maps em 17/2/2022.

20 dezembro 2010

O 3 PARA OS OLIVAIS

O meu eléctrico era o 3, o melhor de todos! Era lindo, rápido e amarelo. Tão amarelo como os outros, mas mais bonito.
Havia o 3 com traço e o 3 sem traço. Ou o 3 branco e o 3 vermelho, para quem não fosse daltónico. Os dois corriam um contra o outro para se cruzarem, quer em Celas quer no Penedo. Quem chegasse em último era coxo! A viagem custava oito tostões da Baixa à Alta e sete tostões em sentido inverso, numa altura em que um papo-seco (um bico, como então se dizia) custava quatro, um postal dos correios cinco e um selo de carta dez tostões.
O 3 percorria toda a Cumeada, do Botânico até aos Olivais, constituindo os próprios carris  a linha de fronteira entre a Alta e a Baixa, para efeitos do exercício da praxe, o mesmo acontecendo, aliás, no troço que descia dos Olivais até à Cruz de Celas.  
O 3 era um eléctrico perfeito, não fora a falha de não passar pela Universidade. Dir-se-ia que o 3 passava em quase tudo o que era importante naquela Coimbra. Passava na Baixa, no Jardim da Manga, nos Correios, na Praça (Mercado D. Pedro V), no Teatro Avenida, na Associação Académica (só mais tarde construída), na Praça da República, tendo até paragem à porta do Mandarim. O 3 subia do Tropical aos Arcos, acenava ao Jardim dos Patos e ao Botânico, parava no Penedo da Saudade, deixava os putos quase à porta do D. João III, largava o pessoal que ia para a romaria do Espírito Santo e ouvia o bruá dos jogos de basket no campo do Olivais, onde, pelos Santos, a malta se roçava ao som do saxofone do Ilídio Martins.
Mas o 3 também gostava de música. É natural… uns metros abaixo do Café Madeira, a rapaziada da casa em frente do Lar das Doroteias trazia o pickup para a varanda e tocava até à exaustão, para gáudio das universitárias e terror das freiras, One, two, three o'clock, four o'clock, rock!..., o 45 rotações de Bill Haley & His Comets, acabadinho de chegar a Coimbra. E quando, nas noites de Verão, o Luís Goes ensaiava com o seu grupo de fados no alpendre da casa onde vivia, um pouco acima da paragem da “casa verde”, o guarda-freio do 3 avançava em marcha lenta  e deixava um aceno de adeus, como que a pedir desculpa pelo incómodo.
O 3 era um eléctrico feito para se ver o futebol da janela. Corria ao lado da Sereia, deixando espreitar o Santa Cruz por cima do muro ou pela nesga do portão; permitia uma espiada de longe sobre o Calhabé, ao passar lânguido pelo Penedo; e tinha uma paragem de gala no “poisio”, terreno baldio entre o Madeira e a “casa verde”, onde os putos da minha idade rompiam calças atrás da bola horas a fio.
Aliás, o 3 tinha com os putos uma relação especial. Estoirava-nos debaixo das rodas os montinhos de pólvora das bombas de carnaval, imitando o matraquear das metralhadoras – tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá… – e assustando as damas – aiii!!! – que se preparavam para sair na paragem. Mas, melhor do que tudo o mais, o 3 era o campo de treinos dos desportos radicais da malta urbana: saltar do eléctrico em andamento e brincar ao gato e ao rato com o cobrador.
Aquilo é que era adrenalina! Faziam-se apostas, saltava-se com o eléctrico a várias velocidades, a cinco, a seis e, até, a sete! Alguém sabe aqui o que é saltar de um eléctrico lançado a sete, avenida abaixo, entre o Café Madeira e a paragem dos Lóios, ali mesmo nas barbas da sentinela da Guarda Republicana, ainda para mais com o guarda-freio apostado em dar cabo dos joelhos aos putos que faziam a corrida de borla, iludindo o cobrador, escondidos na plataforma de trás ou pendurados ao vento no estribo? Alguém sabe aqui o que isso é?
Como em qualquer desporto, aquele também tinha a sua técnica. A maioria atirava-se para a frente, tentando acompanhar o movimento do monstro de ferro. Mas havia os que saltavam do estribo para o chão com um só pé e amorteciam a energia da queda rodopiando com a perna livre levantada, enquanto uma mão largava o corrimão e a outra segurava a capa esvoaçante. Bonito!
Como em qualquer desporto, uma tal performance não estava ao alcance de todos. Havia os iniciados e havia os craques, mais velhos, mais rodados. Um havia, até, que se dizia que já tinha ido às p… !
Tive o meu baptismo de voo numa manhã de Inverno. Não que estivesse preparado. Até aí limitara-me a fazer uma ou duas corridas no estribo, cosido às paredes do bicho, não fosse o guarda-freio topar-me pelo espelho. Naquele tempo, os eléctricos só eram fechados na zona dos bancos. O guarda-freio rapava um frio dos diabos; e a nós, na plataforma de trás, acontecia-nos o mesmo, enquanto o lorde do cobrador (já nem falo do revisor... – Foge, que ele vem lá! –) se passeava portas adentro, controlando-nos pelo rabo do olho.
Foi numa manhã de Inverno, dizia eu, faltariam dez para as nove. Daí a pouco tocaria a sineta o primeiro toque. O eléctrico vinha a descer a Dias da Silva, rumo ao D. João III. Parou na “casa verde”, de onde eu saía ainda a comer o pão. A partir daí era só uma paragem. A plataforma de trás vinha apinhada de malta do 1.º B: – Sobe, 24, que está quase a tocar e o gajo anda lá dentro entretido. 24 era o meu número! Seria o meu dia de glória...
Salto para o estribo, já o eléctrico embalava a caminho do Madeira. Agarro o corrimão, o pão na boca, a pasta na outra mão, o olho no trica-bilhetes… e a malta a bater palmas. Eis se não quando, ouve-se um grito: – Salta que o gajo vem a correr! E o gajo corria, de facto, atropelando tudo e todos dentro do eléctrico. E o guarda-freio, de conluio, mete a sete: – Agora é que vais pagar, meu grande sacana! E a malta: – Salta, 24, que o gajo apanha-te!
Nem deu para pensar. Larguei-me, simplesmente. Dei de joelhos nos paralelos da calçada – Ai as minhas calças à golfe, quase novas! – mas não me lembro se doeu. Doeu, sim, a malta a rir-se lá de cima, enquanto o trinca-bilhetes lambia os beiços. Pelo chão ficou espalhada a pasta aberta, os cadernos diários, a caixa de madeira onde guardava os lápis e a borracha, um transferidor, um duplo-decímetro e meia folha de “papel Cavalinho”. Nesse dia havia aula de Desenho.
Zé Veloso

08 dezembro 2010

ELÉCTRICOS DE COIMBRA


Quando fui para Coimbra (anos 50) só havia cinco carreiras de eléctrico em toda a cidade. Nessa altura ainda os eléctricos não davam a volta pelo Palácio da Justiça. Por isso, à excepção do 2, todos saíam da Estação Nova rumo ao largo da Portagem, davam a volta à estátua do Mata-Frades, atravessavam o “canal”, olhavam de cima para baixo a escadaria da Igreja de Santa Cruz, fugiam da polícia avenida acima até deixar para trás o mercado D. Pedro V e só a partir daí é que começavam, cada um à sua vez, a seguir o seu percurso.
O 2 era um pouco diferente, pois que não largava da Estação Nova, como os demais. À hora certa, arrancava do largo de Sansão (Praça 8 de Maio para os menos antigos) e seguia Rua da Sofia afora. Passava junto ao edifício da recolha, onde à noite todos voltariam para dormir, e seguia pela Casa do Sal, até parar na Estação Velha, à espera de que lhe chegassem passageiros e malas para carregar de volta para a cidade.
O 1 era a carreira para a Universidade. Desde a destruição da Velha Alta que não dava já a volta completa pela Rua Larga. Por isso atacava a colina sagrada em dois tramos: um deles deixava a Sá da Bandeira, onde hoje é a Associação, e lá seguia a gemer pela Padre António Vieira acima até parar exausto junto ao Museu Machado de Castro. O outro seguia pela Praça da República até aos Arcos do Jardim e, daí, até à entrada do velho Hospital da Universidade, onde descansava uns minutos a rir-se de quem subia a escadaria monumental, enquanto o guarda-freio mudava o trolley para a retaguarda e o cobrador conferia os trocos para mais uma viagem, depois de ter virado os bancos ao contrário com um barulho metálico que acordava de vez quem se tivesse deixado adormecer no final da carreira.
O 4 seguia para a colina em frente, do outro lado da Sá da Bandeira. Queixava-se do reumático numa chinfrineira sofrida assim que virava à esquerda a seguir à Manutenção Militar, trepava por Montarroio até ao topo da Conchada, aliviava as dores uma vez passada a Poyn-Ta-Pau e parava para verter águas em Montes Claros, junto ao velho matadouro, onde haveria de cruzar-se com o outro 4 que, vindo da Cruz de Celas, fazia o percurso em sentido inverso.
O 5 era um sortudo! A caminho do Calhabé, carregava as meninas todos os dias para o Liceu Infanta D. Maria. Podia olhá-las de perto, demoradamente, enquanto nós tínhamos de ir até aos Lóios ou à ladeira do Cidral para as ver passar. Mas o 5 não era um eléctrico.  Era um trolley dos modernos, “como só havia em Coimbra”, dizia-se então. Andava sem fazer barulho. Eram os “pantufas”.
O 6 também era “pantufas” e ia até Santa Clara, onde dava a volta num grande largo… porque os “pantufas”, ao contrário dos eléctricos, não sabiam andar de marcha-atrás.
O 7 ia para o Tovim e lá ficava parado, fazendo manguitos a quem quisesse aventurar-se na subida, a pé, até ao Picoto e Vale de Canas.
Deixei para último o 3 para os Olivais, o meu eléctrico, o melhor de todos. Era lindo, rápido e amarelo. Tão amarelo como os outros, mas mais bonito.
O 3 acompanhou-me diariamente durante os nove anos em que vivi na “casa verde”, pouco acima do Café Madeira. Foi na plataforma da frente que calcorreei meia Coimbra com o olhar, bebendo o vento estimulante da corrida, capa traçada para arrepiar o frio, à espera que o guarda-freio embalasse a sete. Foi na plataforma traseira que fumei belas cigarradas, abrigado da chuva de molha-patos do Outono, ainda os exames vinham longe. Dali acenava aos amigos, passava para o estribo, ia ao chão e voltava a subir… Nunca gostei de ir lá dentro. Nas plataformas sim! Sentia-se a velocidade. Trazia-me lembranças das corridas loucas em cima de um carro de bois em Ançã, eu ainda garoto agarrado aos fueiros do carro, e o Zé Palhoça a picar os bois encosta de S. Miguel abaixo, corridas com que o Pai Manuel Velloso nem sequer poderia sonhar…
Não! O 3 é muito forte para mim. Não vai caber neste post. Vai ficar para o próximo.
Zé Veloso
Legendas das fotos:
a. Frente a S.ta Cruz, vendo-se as linhas nos 2 sentidos e ainda a zona de parqueamento do 2.
b. O 2 na zona entre a Estação Velha e a Casa do Sal.
c. O 1 descendo da velha Alta ao longo dos Arcos do Jardim.
d. O 4 junto de arrastadeiras e carochas.
e. O 6 atravessando o antiga ponte.
f. 3 eléctricos descem a Sá da Bandeira, entre o Teatro Avenida e a Manutenção Militar.

25 novembro 2010

A TOMADA DA BASTILHA

ESTE POST ESTÁ DESACTUAIZADO E APENAS NÃO É CANCELADO POR RESPEITO PARA COM QUEM NELE COLOCOU COMENTÁRIOS.
SOBRE O TEMA "TOMADA DA BASTILHA", POR FAVOR CARREGUE AQUI  

Coimbra, 25 de Novembro de 1920!
    6 e 45 da matina. A Alta é abalada pelo estrondo dum morteiro. Para o grupo de conjurados que tomaram de assalto a torre da Universidade, capitaneados pelo Passarinho, estudante de Medicina e jogador da Académica, é o sinal esperado. Há que trazer para a rua a Academia, para que os outros conjurados, que a esta hora terão já forçado a entrada no Clube dos Lentes, possam cumprir em segurança o resto do plano. Cabra a cabrão entram num trinado frenético que acorda toda a Coimbra, ainda mal refeita do estoiro de há momentos, enquanto uma capa negra é desfraldada no mastro da torre. Da varanda do Clube dos Lentes sai uma salva de 101 tiros!
    O primeiro frémito é de sobressalto: – Aí vem outra revolução! – Acodem todos à Rua Larga, no coração da velha Alta. O segundo é já de regozijo. Pelas portas e janelas do antigo Colégio de S. Paulo Eremita saem os trastes do Clube dos Lentes, para dar lugar à nova sede da Associação Académica de Coimbra, ali mesmo nas barbas do Governo Civil e sem que as autoridades pudessem ter mexido um dedo. Deus ajuda quem madruga…
    A Academia voltava assim a ter instalações condignas, depois de um período de 30 anos em bolandas, metade do tempo que durara a ocupação filipina (também essa, corrida pelos 40 conjurados de 1640), já que a impaciência da juventude não permitiu esperar tanto para correr com os opressores.
    Mas os 40 conjurados de 1920 não param. Apesar de terem sido obrigados a antecipar o golpe, inicialmente previsto para o simbólico dia 1 de Dezembro, por receio de que a Reitoria estivesse a par das movimentações, eles sabem o que fazer a seguir. Não basta defenestrar os Miguéis de Vasconcelos de agora, há que obter o reconhecimento de jure da situação.
    Reúnem a Assembleia Magna, decreta-se a posse das instalações e saem de imediato telegramas para o poder em Lisboa, a quem se comunica, com a maior das naturalidades, que, finalmente, os estudantes estão bem instalados na sua nova sede e «Viva a República, que muitas glórias há-de dar a Portugal»!
    Perante tal desfaçatez, ninguém desconfia. E é aí que Presidente da República, Presidente do Conselho e Ministro da Instrução respondem aos telegramas agradecendo a deferência da notícia em primeira mão e felicitando a Academia, por lhe ter sido outorgada tão antiga reivindicação. O Reitor de então, pessoa simpática, por sinal, fica completamente desarmado.
    Mas, não fosse o diabo tecê-las, havia que manter mobilizada a cidade e a Academia até ao dia seguinte. E assim se organiza da Alta à Baixa um monumental cortejo de archotes que iluminam Coimbra pela noite adentro. E bem avisados estavam os conjurados, já que nessa mesma noite vários estudantes foram presos por gritarem Viva a Academia!, sendo que os ouvidos da polícia estavam educados para considerar que vivas terminando em ia só poderiam ser vivas à Monarquia.
    Estes factos, que chegam até hoje cheios de um burlesco que nos faz sorrir, não devem esconder que a Tomada da Bastilha foi um acto de coragem de um grupo de estudantes que se arriscou a pesadas penas, tais como o "ser riscado" da Universidade, para que os estudantes de Coimbra tivessem hoje a Associação que têm. Porque foi precisamente este assalto que permitiu à Academia passar a desfrutar de amplas instalações que, ao serem desmanteladas em 1949, aquando da demolição da velha Alta, obrigaram à promessa de construção das actuais.
    A Tomada da Bastilha já foi feriado académico, antes e depois do 25 de Abril. A sua comemoração, proibida pelo regime anterior, já foi pretexto para reuniões de contestação política que juntaram todas as academias universitárias do país. O feito é comemorado todos os anos com pompa e circunstância no Casino do Estoril, pela AAECL… mas, na Coimbra de hoje, quase caiu no esquecimento.
    Coimbra é assim! Deita fora o seu potencial histórico. Coimbra é mais valorizada por quem está fora do que por quem está dentro. Não fossem duas breves referências na página da AAC no Facebook e não se daria pela Tomada da Bastilha. Basta olhar as fotografias para perceber que as comemorações na noite de 24 para 25 não conseguiram mobilizar mais do que uma ou duas centenas de estudantes (o meu abraço para eles!) numa academia que tem hoje para cima de 20.000!
    É para que a memória se não apague que aqui evoco os heróis da Tomada da Bastilha, a começar pelos cabecilhas da “revolta”: Alfredo Fernandes Martins (Direito), apontado como o principal obreiro, Padre Paulo Evaristo Alves (D), seu principal ajudante, Augusto da Fonseca Junior, o Passarinho (Medicina); João Rocha (M) e Pompeu Cardoso (M).
    Diz-se que os conjurados eram 40! Mas António José Soares só encontrou o rasto a 39… Aqui ficam mais abaixo os seus nomes e a fotografia para a posteridade. Talvez algum leitor do blogue encontre por aí um seu antepassado.
    No plano superior, da esquerda para a direita, João Gonçalves Valente (M), José Nascimento de Sousa (M), José Lopes Dias (M), José Afonso de Matos (M), Mário Celorico Drago (M), Acácio Barata Lima (M), Manuel Pedro Nolasco (D), Daniel Brazão machado (M) e Henrique Valente de Pinho (M).
    No plano intermédio, Fernandes Martins (D), P. Paulo Evaristo Alves (D), Jacinto Gomes Henriques (M), João Lacerda Pereira Rocha (M), Augusto Fonseca Junior (M), António Gomes de Pina (D), estudante não identificado, João Nabinho Amaral (M), António Geraldes Coelho (M), Martins de Carvalho (M), Jacob Correia (M), Silvino de Sousa (D), Artur Alberto Coelho (D), Pompeu Cardoso (M), Juvenal Silva Carvalho (D), estudante não identificado, Armindo Maio dos Santos (D), Joaquim Cunha Guimarães (M), estudante não identificado e Augusto Vitor Neves (Ciências).
    No primeiro plano, estudante não identificado, Albino Rodrigues de Sousa (M), Severo Figueiredo (D), António Rocha S. Miguel (M), Antero Lucena e Vale (D), Manuel Branco de Melo (D) e estudante não identificado.
    Não figuram na foto mas tomaram parte: Luís Gonzaga Peixoto (D), Gaspar Sameiro (D) e Joaquim Costa Reis (D).
    Zé Veloso