Fez ontem uma semana, tive o gosto de apresentar OS LYSÍADAS num almoço (seguido de sarau) da AAECL - Associação dos
Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa, iniciativa que congregou 125 convivas
que já não se encontravam desde o início da pandemia. Foi a oportunidade que a Associação
teve de voltar a juntar amigos e de dar continuidade a eventos que foram cancelados
por causa do Covid 19, como foi o caso do primeiro lançamento daquele livro, que
deveria ter acontecido na sede da AAECL em 17 de Março de 2020.
Mas o que são, afinal, OS LYSÍADAS, de seu nome
completo, OS LYSÍADAS. A Epopeia dos
LyS.O.S., uma República de Coimbra no Porto?
Se eu vos disser como o livro começa,
Os ursos e os calões esperançados,
Que da ocidental terra das
tricanas,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além de Vale de Canas,
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força e o tanas,
E entre as gentes do Norte edificaram
República, que tanto
sublimaram;
já poderão imaginar que
se trata de um poema épico que relata a saga de um grupo de estudantes de
Coimbra que em 1959 rumaram ao Porto, «numa mão a guitarra e noutra a
pena», para aí terminarem os seus cursos de Engenharia e Farmácia; e que,
não tendo onde se aboletar, lá fundaram a Real República dos LyS.O.S., que é
presentemente a única República de estudantes que ainda resta no Porto, a qual,
por coincidência, deverá estar
ainda a dormir a esta hora, já que festejou ontem rijamente o seu LXII Centenário!
Segundo reza a synopsys do livro,
o poema «segue uma linha paralela à narrativa de Camões, adaptando os episódios
mais marcantes da obra do Poeta aos temas que trata e aos tempos que retrata,
de forma criativa, irreverente e bem-humorada».
E os temas e tempos que
trata e retrata são, para além do que aos LyS.O.S. diz respeito, a história e
as histórias de Coimbra, da sua Universidade e da sua Academia e, ainda, das tradições
académicas centenárias, que haveriam de estender-se ao Porto e, mais tarde, a
outras academias.
Mal me ficaria se, ao
apresentar-vos OS LYSÍADAS, vos não trouxesse aqui um pouquinho mais do seu
conteúdo. Escolhi sete estrofes do Canto IV, que fazem parte de uma passagem
que antecede o “Episódio do Velho da Estação Nova”, personagem que, à
semelhança do Velho do Restelo, não entendia a vã glória de ir estudar
para tão longe, sujeitando-se a perigos nunca vistos, quando, em Coimbra, havia
cursos de sobra.
A cena passa-se no largo em
frente da Estação Nova, enquanto os LyS.O.S. se preparavam para entrar no
comboio que os levaria rumo ao Norte. Em itálico está o que pertence aos Lusíadas
de Camões.
27
A gente da cidade, aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Para olhar mais de perto as
nossas gentes.
E junto co’a
virtuosa companhia
Do povo humilde, gestos diligentes,
Estavam as forças vivas da cidade,
Que assim se despediam com saudade.
28
Logo à frente dos mais vinha o Teixeira,
Engraxador de toda a Academia,
Que um dia, no Casino da Figueira,
De fraque preto e calça fantasia,
Foi beber pirolito e bagaceira,
Dando o braço, cortês, à fidalguia.
Representava ali todos os mais
Das profissões chamadas liberais.
29
Representando o Grémio dos Logistas,
Negócio de Adeleiro, Roupa & Trapo,
O Pícalo, que nos trocava as vistas
Na prova da batina e do casaco
(E, de caminho, armava aos pugilistas,
Que ser forte, afinal, era o seu fraco),
Um precursor da moda do futuro:
Um só tamanho, em vez de furo a furo!
30
Um pouco mais atrás vinha o Pirata,
Onde tanto estudante, sem pagar,
Comeu, bebeu e só bateu a chapa
Um dia, quando já a trabalhar!
Representava ali todo o magnata
Que tem dinheiro seu para emprestar:
Casas de prego, bancas de mercado
E as lojas que vendem a fiado.
31
De boné preto e farda azul escura,
Bigode, perna curta, ar de Charlot,
’Tava o Sô Chico, em plena formatura
(Que nesse dia a Associação fechou),
Co’a rezinguice própria e a candura
De um porteiro que era já avô.
Representava as profissões fardadas:
Contínuos, cobradores, Forças Armadas.
32
Mas eis que também chega o Formidável,
Cauteleiro e fotógrafo amador.
Vinha de trás, com seu discurso afável,
Talvez pra consolar algum doutor,
Assim como, de forma memorável,
Quando Eusébio chorou a sua dor.
Representava as artes de olhar
E os jogos de fortuna e de azar.
33
Sua eminência o bispo é que faltava!
Nem cónego, prior, ou mais quem seja,
Nem freira ou sacristão se apresentava,
Representando a Santa Madre Igreja.
Mas lá de Santa Clara nos olhava
– Com seu manto de
seda, cor cereja –
Aquela que p’los pobres sempre olhou
E o pão em rosas brancas transformou.
E se bem tinha olhado
pelos pobres, melhor a Rainha Santa olharia pelos LyS.O.S., já que ser-se lyso tinha não só a ver com a lisura
e verticalidade de carácter, mas também com o ser-se teso, sem dinheiro, e ver-se
forçado a enviar de vez em quando um S.O.S. à família.
Para além da parte poética – com dez cantos, tal como Os Lusíadas, mas com uma dimensão miniatura (30% das suas estrofes) – o livro contém ainda vasta informação em prosa, que complementa e contextualiza a narrativa épica, informação que acaba por constituir “um segundo livro".
Não me tendo sido
possível fazer os lançamentos e apresentações que estavam programados, fiz
chegar junto dos meus amigos, em Outubro de 2020, via e-mail e Facebook, um vídeo
de apresentação do livro – obrigado ao meu amigo Valdemar Benavente pela edição do vídeo e ao Grupo Campa Rasa pela excelente banda sonora –, bem como um conjunto de depoimentos que pedi a quinze
personalidades a quem também deixo aqui o meu agradecimento. Tanto o vídeo
como os depoimentos podem ser visualizados abaixo.
VÍDEO DE APRESENTAÇÃO
d’OS LYSÍADAS
DEPOIMENTOS
SOBRE OS LYSÍADAS
O que está disponível neste
momento é o “Volume I - De Coimbra ao Porto”, o qual termina com o Canto VI, ou
seja, com a chegada dos LyS.O.S. à vista do Porto. É um volume centrado na vida
académica coimbrã. Tem prefácios da autoria do Eng.º Augusto Carmona da Mota,
primeiro Mor dos LyS.O.S., e da Dr.ª Fátima Lencastre, Presidente da AAECL.
Apesar de ser apenas a
primeira parte de uma obra maior, este Volume I constitui um todo coerente,
cuja compreensão não obriga à leitura do Volume II. O “Volume II - Já no Porto”
sairá oportunamente.
A forma mais rápida de
adquirir o livro será, porventura, no site da MinervaCoimbra ou
por e-mail para minervacoimbra@gmail.com.
Boas leituras!
Zé Veloso
Repúblico Lyso de 1966/67 a 1968/69