21 novembro 2021

“OS LYSÍADAS”, DE ZÉ VELOSO

Fez ontem uma semana, tive o gosto de apresentar OS LYSÍADAS num almoço (seguido de sarau) da AAECL - Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra em Lisboa, iniciativa que congregou 125 convivas que já não se encontravam desde o início da pandemia. Foi a oportunidade que a Associação teve de voltar a juntar amigos e de dar continuidade a eventos que foram cancelados por causa do Covid 19, como foi o caso do primeiro lançamento daquele livro, que deveria ter acontecido na sede da AAECL em 17 de Março de 2020.

Mas o que são, afinal, OS LYSÍADAS, de seu nome completo, OS LYSÍADAS. A Epopeia dos LyS.O.S., uma República de Coimbra no Porto?

Se eu vos disser como o livro começa,

Os ursos e os calões esperançados,

Que da ocidental terra das tricanas,

Por mares nunca dantes navegados,

Passaram ainda além de Vale de Canas,

E em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força e o tanas,

E entre as gentes do Norte edificaram

República, que tanto sublimaram;

já poderão imaginar que se trata de um poema épico que relata a saga de um grupo de estudantes de Coimbra que em 1959 rumaram ao Porto, «numa mão a guitarra e noutra a pena», para aí terminarem os seus cursos de Engenharia e Farmácia; e que, não tendo onde se aboletar, lá fundaram a Real República dos LyS.O.S., que é presentemente a única República de estudantes que ainda resta no Porto, a qual, por coincidência, deverá estar ainda a dormir a esta hora, já que festejou ontem rijamente o seu LXII Centenário!

Segundo reza a synopsys do livro, o poema «segue uma linha paralela à narrativa de Camões, adaptando os episódios mais marcantes da obra do Poeta aos temas que trata e aos tempos que retrata, de forma criativa, irreverente e bem-humorada».

E os temas e tempos que trata e retrata são, para além do que aos LyS.O.S. diz respeito, a história e as histórias de Coimbra, da sua Universidade e da sua Academia e, ainda, das tradições académicas centenárias, que haveriam de estender-se ao Porto e, mais tarde, a outras academias.

Mal me ficaria se, ao apresentar-vos OS LYSÍADAS, vos não trouxesse aqui um pouquinho mais do seu conteúdo. Escolhi sete estrofes do Canto IV, que fazem parte de uma passagem que antecede o “Episódio do Velho da Estação Nova”, personagem que, à semelhança do Velho do Restelo, não entendia a vã glória de ir estudar para tão longe, sujeitando-se a perigos nunca vistos, quando, em Coimbra, havia cursos de sobra.

A cena passa-se no largo em frente da Estação Nova, enquanto os LyS.O.S. se preparavam para entrar no comboio que os levaria rumo ao Norte. Em itálico está o que pertence aos Lusíadas de Camões.

27

A gente da cidade, aquele dia,

(Uns por amigos, outros por parentes,

Outros por ver somente) concorria,

Para olhar mais de perto as nossas gentes.

E junto co’a virtuosa companhia

Do povo humilde, gestos diligentes,

Estavam as forças vivas da cidade,

Que assim se despediam com saudade.

 

28

Logo à frente dos mais vinha o Teixeira,

Engraxador de toda a Academia,

Que um dia, no Casino da Figueira,

De fraque preto e calça fantasia,

Foi beber pirolito e bagaceira,

Dando o braço, cortês, à fidalguia.

Representava ali todos os mais

Das profissões chamadas liberais.

 

29

Representando o Grémio dos Logistas,

Negócio de Adeleiro, Roupa & Trapo,

O Pícalo, que nos trocava as vistas

Na prova da batina e do casaco

(E, de caminho, armava aos pugilistas,

Que ser forte, afinal, era o seu fraco),

Um precursor da moda do futuro:

Um só tamanho, em vez de furo a furo!

 

30

Um pouco mais atrás vinha o Pirata,

Onde tanto estudante, sem pagar,

Comeu, bebeu e só bateu a chapa

Um dia, quando já a trabalhar!

Representava ali todo o magnata

Que tem dinheiro seu para emprestar:

Casas de prego, bancas de mercado

E as lojas que vendem a fiado.

 

31

De boné preto e farda azul escura,

Bigode, perna curta, ar de Charlot,

’Tava o Sô Chico, em plena formatura

(Que nesse dia a Associação fechou),

Co’a rezinguice própria e a candura

De um porteiro que era já avô.

Representava as profissões fardadas:

Contínuos, cobradores, Forças Armadas.

 

32

Mas eis que também chega o Formidável,

Cauteleiro e fotógrafo amador.

Vinha de trás, com seu discurso afável,

Talvez pra consolar algum doutor,

Assim como, de forma memorável,

Quando Eusébio chorou a sua dor.

Representava as artes de olhar

E os jogos de fortuna e de azar.

 

33

Sua eminência o bispo é que faltava!

Nem cónego, prior, ou mais quem seja,

Nem freira ou sacristão se apresentava,

Representando a Santa Madre Igreja.

Mas lá de Santa Clara nos olhava

Com seu manto de seda, cor cereja

Aquela que p’los pobres sempre olhou

E o pão em rosas brancas transformou. 

E se bem tinha olhado pelos pobres, melhor a Rainha Santa olharia pelos LyS.O.S., já que ser-se lyso tinha não só a ver com a lisura e verticalidade de carácter, mas também com o ser-se teso, sem dinheiro, e ver-se forçado a enviar de vez em quando um S.O.S. à família.

Para além da parte poética – com dez cantos, tal como Os Lusíadas, mas com uma dimensão miniatura (30% das suas estrofes) – o livro contém ainda vasta informação em prosa, que complementa e contextualiza a narrativa épica, informação que acaba por constituir “um segundo livro".

Não me tendo sido possível fazer os lançamentos e apresentações que estavam programados, fiz chegar junto dos meus amigos, em Outubro de 2020, via e-mail e Facebook, um vídeo de apresentação do livro  obrigado ao meu amigo Valdemar Benavente pela edição do vídeo e ao Grupo Campa Rasa pela excelente banda sonora –, bem como um conjunto de depoimentos que pedi a quinze personalidades a quem também deixo aqui o meu agradecimento. Tanto o vídeo como os depoimentos podem ser visualizados abaixo.

VÍDEO DE APRESENTAÇÃO d’OS LYSÍADAS

DEPOIMENTOS SOBRE OS LYSÍADAS

O que está disponível neste momento é o “Volume I - De Coimbra ao Porto”, o qual termina com o Canto VI, ou seja, com a chegada dos LyS.O.S. à vista do Porto. É um volume centrado na vida académica coimbrã. Tem prefácios da autoria do Eng.º Augusto Carmona da Mota, primeiro Mor dos LyS.O.S., e da Dr.ª Fátima Lencastre, Presidente da AAECL.

Apesar de ser apenas a primeira parte de uma obra maior, este Volume I constitui um todo coerente, cuja compreensão não obriga à leitura do Volume II. O “Volume II - Já no Porto” sairá oportunamente. 

A forma mais rápida de adquirir o livro será, porventura, no site da MinervaCoimbra ou por e-mail para minervacoimbra@gmail.com.

Boas leituras!

Zé Veloso
Repúblico Lyso de 1966/67 a 1968/69


4 comentários:

  1. Nunca é demais dar-te os parabéns por esta obra em prol da nossa República!

    Bem hajas!

    Grande abraço.

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    1. Obrigado, Marco, pelo teu comentário e pelo muito que vens fazendo pela nossa República.
      Cada um vai tocando a sua guitarra...
      Um abraço,
      Zé Veloso

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