É
frequente afirmar-se que Domitila de Carvalho foi a primeira mulher que se inscreveu
na Universidade de Coimbra (1891). Eu prefiro dizer que Domitila foi a primeira
mulher que se licenciou na Universidade de Coimbra (1894 em Matemática,
1895 em Filosofia e 1904 em Medicina), sem colocar a tónica no acto
administrativo da sua inscrição. E digo assim para que não fiquem implicitamente
esquecidas aquelas que frequentaram a Universidade antes de Domitila, mas que
nunca terão chegado a inscrever-se ou o fizeram sob um nome masculino, pelo simples facto de serem mulheres e tal
inscrição lhes estar legalmente vedada na época em que viveram.
Foram
mulheres que, apesar dessa proibição, conseguiram estudar na Universidade, vestindo-se
de homem para disfarçar a sua condição feminina. Mulheres que sofreram o
recalcamento de terem de aprender na clandestinidade e de não verem reconhecido
publicamente o saber que adquiriram. Mulheres que, nos casos sobre os quais
existe informação disponível, acabaram todas por recolher-se a um convento, não
parecendo que fosse esse o seu plano inicial e vida.
Quantas terão tentado a sua sorte?
Sousa Lamy [1] nomeia apenas quatro almas que passaram por esse calvário. Sobre três delas – Auta da Madre de Deus, Antónia da Trindade e Públia Hortênsia de Castro, que frequentaram a Universidade nos séculos xv e xvi – existe alguma informação, que tratarei nos próximos posts. Mas sobre a quarta – Catarina Fernandes – apenas se sabe que estudou no séc. xvii. [1]
Entretanto, encontrei num almanaque antigo (1864) [2] uma frase que nos sugere mais um nome – «Nem só Anna Sigêa, Publia Hortensia de Castro, e outras, de quem falla o sr. Castilho nas eruditissimas notas ao seu drama Camões, se tornaram notaveis por seus conhecimentos, e por haverem frequentado a Universidade com occultamento do seu sexo».
Temos,
assim, cinco mulheres. Mas é bem provável que tenham sido mais, até porque aquilo
que é proibido tende a ser abafado. E se andavam vestidas de homem, estudariam sob anonimato ou falso nome.
Ainda
há alguns anos me escreveu um leitor deste blogue que procurava informações
sobre uma sua antepassada que, de acordo com a tradição oral da família, teria
andado na Universidade de Coimbra, onde, por ser mulher, teve uma experiência difícil, que muito a
marcou. A sua memória ficou num círculo restrito, os seus trajes de estudante
andaram na família durante bastante tempo até se perderem, e eu próprio já esqueci
também o seu nome.
Quantos
nomes haverá mais? Quantas terão sido ao certo? Quantas mulheres – mulheres
novas, raparigas – terão “morrido em combate”, lutando corajosamente para saber
mais, tentando chegar ao fruto proibido de um diploma universitário?
Sejam
quantas forem, conhecidas e desconhecidas, a todas presto aqui singela homenagem.
Este
post foi escrito em memória de todas elas!
Zé
Veloso
Seguem-se os posts:
- ESTUDANTES CLANDESTINAS NA UNIVERSIDADE.PARTE II: AUTA DA MADRE DE DEUS
- ESTUDANTES CLANDESTINAS NA UNIVERSIDADE. PARTE III: ANTÓNIA DA TRINDADE
- ESTUDANTES CLANDESTINAS NA UNIVERSIDADE. PARTE IV: PÚBLIA HORTÊNSIA DE CASTRO
que serão
publicados nas próximas semanas.
[1] LAMY,
Alberto Sous
a. A Academia de Coimbra. 1537-1990. Rei dos Livros, Lisboa,
1990.
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