05 setembro 2010

A HISTÓRIA DE UM EMBLEMA

    Se perguntarmos a um taxista de Lisboa como é o emblema da Académica, ele nos dirá que é preto e branco e que tem a forma de um quadrado. Se a mesma pergunta for feita a um taxista de Coimbra, por certo acrescentará que o quadrado tem dentro as letras da Académica e a torre da Universidade. Se a questão for colocada a alguém “com estudos”, a resposta será idêntica à do taxista de Coimbra, com uma só diferença: dirá que tem a forma de um losango... refinamento de linguagem perfeitamente escusado, já que um quadrado não deixa de o ser por ter os lados a 45º com a horizontal, o que prova que, para bem entender as coisas simples, a instrução de pouco serve e, às vezes, até atrapalha.
    E é precisamente aí, na sua forma quadrada, rodada em relação ao que é o standard, que reside a grande força distintiva do nosso emblema, cuja identidade logo salta à vista a léguas de distância.
    Qualquer designer de hoje sabe que a qualidade de um logótipo ou de uma marca está na simplicidade da ideia, no reconhecimento fácil da mensagem, na sua imediata identificação. Isto sabem os designers de hoje. Mas como seria há oito décadas, na época em que o emblema de uma qualquer colectividade costumava albergar uma amálgama de motivos só reconhecíveis à lupa, não fosse ficar de fora alguma parcela do seu objecto social?
    Pois bem, há mais de 80 anos, mais propriamente na época futebolística de 1927-28, havia em Coimbra um estudante de medicina com jeito para o desenho, Fernando Ferreira Pimentel de seu nome, a quem o director desportivo da Briosa, Armando Sampaio, haveria de pedir para desenhar um emblema, o que o estudante fez por amor à camisola.
    A primeira remessa veio de Paris, não no bico de uma cegonha, como acontecia na altura com os meninos, mas por certo de comboio. Custaram 1$00 cada mas foram vendidos a 5$00, preço elevadíssimo para a época. Os honorários do designer… esses saldaram-se com a dádiva de um emblema. Outros tempos...
    Li algures que o Dr. Fernando Pimentel, entretanto formado, teria chegado a ser médico da Académica, facto que a excelente “bíblia” de João Santana e João Mesquita não confirma mas também não permite desmentir.
    Certo é que, em Junho de 1957, Fernando Pimentel publicou um artigo na revista Rua Larga, há muito extinta, onde conta como as coisas se passaram. E nesse artigo escreve, a dado passo:
    “Até ao ano de 1926, o emblema que representava a Associação Académica nas festas ou cometimentos desportivos era uma capa de estudante erguida num pau ou num mastro de bandeira. Recordo-me, contudo, de ter existido, por essa época, um emblema de forma rectangular, encimado pela legenda “Mens Sana” e tendo como desenho um conjunto de figuras geométricas pretas e brancas, sem sentido, que alguns estudantes usavam na lapela, mas cujo significado, em relação à Associação Académica, nenhuma afinidade representava.
    “Na época de 1926-27 (...), a ideia do emblema começou a despontar e, num célebre desafio com o Sporting em Lisboa, o grupo da Briosa apresentou-se com emblemas na camisola “bordados por delicadas mãos de senhora”, emblemas esses em que figuravam apenas as letras AAC(…).
    “Como, porém, o resultado da pugna nos foi desfavorável (só perdemos por 9 a 1) as culpas não caíram sobre o Armando Sampaio, o guarda-redes, mas sim sobre os estreantes emblemas, que, no regresso, amaldiçoados, foram arrancados e votados ao ostracismo.
    “Os tempos correram e, sem emblemas, repetiram-se os revezes e as glórias até que, em 1927-28,...”. Bem, a partir daqui foi o convite a Fernando Pimentel e a rápida feitura do emblema, o qual presumo que tenha sido utilizado ainda nessa época futebolística, embora não o possa confirmar. Mas certo é que o emblema desenhado para a equipa de futebol foi de seguida adoptado pela AAC no seu conjunto e assim se manteve, no essencial, até hoje.
    Fernando Pimentel faleceu com 89 anos a 24 de Agosto de 1994. Nunca o conheci pessoalmente mas hoje, depois de analisar em detalhe o seu (nosso) emblema, gostaria de lhe ter colocado umas quantas questões que me têm intrigado sobre a forma como a ideia surgiu na sua cabeça e como o desenho evoluiu até à versão final. É matéria que deixo para o próximo post, fica desde já prometido.
    Mas para que não fique por contar toda a história do emblema, refiro outras tentativas anteriores a 1927, nomeadamente, um escudo esquartejado onde se inseriam também as insígnias das várias Faculdades da Universidade, ou seja, um emblema “à antiga”, e uma outra tentativa, bem menos ortodoxa: a 31 de Janeiro de 1924, no particular Académica - Salgueiros (1-0) disputado na Ínsua dos Bentos, hoje Parque da Cidade, toda a equipa se apresentou com uma figurinha de tricana amorosamente colocada por cima do coração (vide o guarda-redes João Ferreira). Seria para acirrar o futrica, aquele que em tempos se terá chamado de “fitrica”, filho de tricana?
    Depois queixem-se que no Académica-União para apuramento do campeão de Coimbra de 1927-28 a pancadaria em campo fosse de tal ordem que o jogo tenha terminado 12 minutos antes do tempo com uns a malhar nos outros e a GNR a ajudar à missa…
    Zé Veloso

    Ver continuação em A FACE OCULTA DA LUA.

4 comentários:

  1. Querido Zé
    Pois na vontade de colocar umas quantas questões a Fernando Pimentel... já somos dois! Quem sabe se o pensamento platónico teve alguma coisa a ver com o assunto? É que dentro do QUADRADO estão TRIÂNGULOS.
    Para Platão, o Universo era formado por um corpo e uma alma, ou inteligência. Na matéria havia porções limitadas por triângulos ou quadrados.
    De acordo com o pensamento de Platão, o quaternário relaciona-se com a materialização das ideias. O quadrado agrega significados como firmeza, organização, solidez, sobriedade, repouso, passividade, estrutura, estabilidade, ordem. É o símbolo primitivo do objecto, da protecção, da propriedade, do que está delimitado no espaço, daquilo que guarda e retém, do espaço fechado.
    O triângulo representa a articulação dos três elementos ou momentos fundamentais do idealismo platónico, associando cada um deles a um vértice do triângulo: a um dos vértices inferiores, a alma (pensar, eu, sujeito); ao outro, o mundo sensível (ser, natureza, objecto), e, ao vértice superior, o mundo supra-sensível ou das ideias (ideia, absoluto, Deus).
    Que te parece? O que é que isso tem a ver com “futebóis”? Será mais fácil perceber a simbologia da estrela de 3 pontas da marca Mercedes (a representar o ar, a terra e o mar, meios a que os motores da marca se adaptam)?
    Se esse estudante de Medicina tinha jeito para o desenho, talvez não fosse indiferente à linguagem simbólica da geometria...
    XiCoração! Fernanda

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  2. Querida Fernanda, aí está uma teoria interessantíssima. Nota que Fernando Pimentel não era apenas um estudante de medicina com jeito para o desenho, como ele próprio modestamente afirmou. Li, entretanto, que antes de vir estudar para Coimbra ele passou pelas Belas Artes no Porto. Deveria, por isso, conhecer bem o significado das formas.
    No post A FACE OCULTA DA LUA coloquei ontem a minha teoria. Ela centra-se em aspectos que não colidem com a tua. Complementam-se, até. Em todo o processo criativo há múltiplas facetas, múltiplos contributos que, de forma voluntária ou involuntária, influenciam o resultado final.
    Obrigado, Zé Veloso

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  3. Meu Caro Zé Veloso
    Como sempre é um prazer ler tudo quanto escreve sobre a nossa Academia. Suponho não estar errado ao dizer, que o autor do Emblema da Nossa Associação Académica, merece uma justa homenagem pela feitura - e de que maneira foi feito - desse mesmo emblema. Desconheço se alguma vez terá sido feita. Se foi, as minhas desculpas e perdão pela ignorância. Se não foi, passam agora 90 anos sobre tal feito? Não seria uma boa ocasião?
    Obrigado
    Zé Paulo

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    Respostas
    1. Caro Zé Paulo,
      Aquando dos 85 anos, a AAC/OAF fez qualquer coisa, o assunto foi falado. Da AAC desconheço.
      Mas você lembra bem! 2017/2018 é a altura de comemorar os 90 anos!
      Abraço, Zé Veloso

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