23 dezembro 2019

REVISITANDO A ORIGEM DAS CARTOLAS E BENGALAS NA QUEIMA (PARTE II)

À procura do rasto das cartolas

Quando entramos numa biblioteca à procura de qualquer coisa cuja existência desconhecemos, nem sempre encontramos o que lá nos levou, mas nunca saímos de mãos vazias. Foi o que me aconteceu quando fui em busca de notícias sobre o desfile dos finalistas de Medicina (armados de bengalas e chapéus de coco) no cortejo da Queima das Fitas de 27 de Maio de 1932.
Tinha a convicção de que os jornais de Coimbra teriam noticiado o desfile com a mesma ênfase com que tinham tratado na véspera a Venda da Pasta, evento que também naquele ano se estreara, exactamente pela mão do mesmo curso e por iniciativa do mesmo estudante – Henrique Pereira da Mota, o célebre Pantaleão. Mas estava enganado. Nem uma palavra!
Resolvi, então, andar para a frente. Percorri, linha a linha, as notícias da Queima no Diário de Coimbra, Gazeta de Coimbra e O Despertar entre 1932 e 1943 (12 anos!) e nova surpresa: toda a atenção dos repórteres vai para os novos fitados, para a descrição dos carros, para a atribuição dos prémios aos melhores carros, para o júri e seu palanque, para a alegria esfusiante da estudantada e suas famílias, para os forasteiros – “Japão”! –, para as “toilettes” das senhoras, para os gaiteiros e as bandas, para as janelas engalanadas com colchas, para os brindes com espumante, até para a condenação dos excessos,… mas cartolados no cortejo… nem vê-los! Afinal, a festa não era deles, a festa era dos quartanistas.
Minto! Há uma excepção a confirmar a regra, uma nota no final da notícia do Diário de Coimbra de 28/5/1941, pela qual ficamos a saber que, para além dos chapéus altos, a tradição também contemplava chapéus de palha.
E, ao percorrer O Ponney, o panorama é idêntico, já que encontrei vestígios das cartolas unicamente no n.º 125 (27/5/1936), onde, no CONVITE para o FUNERAL do jornal (que prematura e enganosamente se anunciava para o dia seguinte), se estabelece um conjunto de regras em que, logo à cabeça, aparece:

Tradições que não terão chegado sê-lo ou não chegaram aos nossos dias

Mas a leitura dos jornais permite-nos descortinar outros costumes relacionados com a despedida dos velhos quintanistas que não chegaram até aos dias de hoje. O mais antigo que apanhei refere-se a um “Cortejo dos Quintanistas” de que fala O Ponney de 21/4/1934, numa entrevista que faz ao Presidente da Comissão Central da Queima das Fitas. Tal cortejo teria lugar no “Dia dos Quintanistas”, o que me leva a supor que, por esta altura, a integração dos velhos quintanistas no cortejo da Queima não estaria ainda estabilizada.
Por outro lado, como se depreende dos recortes abaixo, no início da década de 40 do século passado existia a figura do "padrinho", figura que já não chegou à Coimbra dos anos 60 do meu tempo.
Extractos de notícia da Gazeta de Coimbra de 28/5/1940







Extracto de notícia do Diário de Coimbra de 28/5/1942

Extracto de notícia do Diário de Coimbra de 28/5/1943









Notas finais

Se é verdade que a inexistência de notícias sobre os cartolados em 1932 e nos anos que mais de perto se lhe seguiram poderá ser atribuída ao facto de que o centro da festa estava nos fitados, também é de admitir que a nova moda tenha levado o seu tempo a pegar e a ter alguma visibilidade.
Nos recortes do Diário de Coimbra de 1942 e 1943 acima está bem evidente um outro ícon associado ao finalista, que me parece ter vindo a ser sistematicamente esquecido. Refiro-me ao charuto, que tendo aparecido em 1932 conjuntamente com a bengala e o chapéu de coco, ainda nos anos 60 fazia parte dos adereços do cartolado masculino.
A estes dois posts seguir-se-á um terceiro, dedicado à Primeira Reunião do Curso dos Cocos, que encerrará a trilogia de posts de aprofundamento da origem das cartolas e bengalas na Queima.
Zé Veloso

2 comentários:

  1. Comentário a despropósito ou talvez não:
    -- Ainda bem que voltou. É sempre uma alegria ler os seus postes
    Saúde e longa vida

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, amigo, pelo seu feed-back.
      O tempo não tem sido muito, envolvido que ando noutros projectos, mas tenho alguma matéria nova com interesse que aqui trarei em breve.
      Um abraçoo
      Zé Veloso

      Eliminar

Os comentários são bem-vindos, quer para complementar o que foi escrito quer para dar outra opinião. O saber de todos nós não é de mais.