No início
de Novembro alertaram-me para a saída do livro Praxe e Tradições Académicas de Elísio Estanque (EE) e para o facto
de o mesmo conter transcrições do Penedo
d@ Saudade. Senti, como é natural, um certo regozijo. Não é todos os dias
que se é citado por um notório investigador da UC, em livro editado pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos!
Comprado o
livro, encontrei, logo a abrir, uma sábia advertência: «A autorização para a reprodução total ou parcial dos conteúdos desta
obra deve ser solicitada ao autor ou editor». Assim mesmo é que é! Pela
minha parte, só tenho a agradecer. As 57 linhas do livro transcritas do Penedo d@ Saudade já não mais serão copiadas
à vontade, ficando eu, até, dispensado de ter o trabalho de me preocupar com
tais autorizações. Só lamento que EE não tenha seguido para si a regra que
impõe aos outros, pois que, se o tivesse feito, tê-lo-ia eu próprio alertado
para o facto de, à data em que diz ter acedido ao blogue, já estar on line uma outra edição do post TEIXEIRA,UM FUTRICA ESTUDANTE. Teria, assim, evitado transcrever um texto onde,
meses antes, eu introduzira algumas emendas [A].
Obviamente,
não seria este facto que me levaria a escrever o presente post. O que verdadeiramente me desgostou – e é esta a primeira
razão pela qual o escrevo – foi perceber que aquele meu post sobre o Teixeira aparece numa sequência em que EE desenvolve uma
teoria que acaba por se esboroar por falta de provas (já que é exemplificada
através de figuras que não encaixam no perfil que lhes atribui), ao mesmo tempo
que amesquinha antigos estudantes que tiveram um papel relevante na nossa
academia e cuja memória não deveria ser deturpada e enxovalhada.
Mas que
parágrafo é esse, para o qual já diversos estudiosos da academia de Coimbra têm
vindo a chamar a atenção? Vide págs. 72 e 73:
«Igualmente
digno de registo é a popularidade de alguns nomes ligados ao imaginário
académico, embora não estudantes,
que povoaram a cidade em épocas distintas, e o papel que desempenharam no
universo das representações intelectuais e estudantis. Personagens como o Agostinho Antunes, o Pantaleão, o Pad Zé, o Castelão de Almeida,
entre outros, fazem parte da história da academia de Coimbra, sendo de certo
modo apropriados por essa espécie de
"academia paralela" que animava os ambientes boémios e
contestatários de Coimbra do passado (Duarte, 2000). Algumas dessas figuras, supõe-se que depois de convenientemente
domesticadas, e uma vez garantido o seu lugar subalterno na comunidade, sendo
alimentadas e até merecedoras de vestimenta própria (o traje académico),
tornaram-se ícones de uma cultura onde a irreverência e o excesso eram
condimentados com a atitude paternal em relação a esses (dóceis) animadores da algazarra estudantil. É o caso do Taxeira (cujo verdadeiro nome é Raul
dos Reis Carvalheira), conforme aqui descrito por um observador que o recorda
desde os anos cinquenta do século passado:» [negrito da minha responsabilidade; segue-se a
transcrição do já referido post do Penedo d@ Saudade].
Ora,
acontece que aqueles quatro “não
estudantes” não só terminaram os seus cursos na UC e exerceram
posteriormente as profissões a que os mesmos habilitavam, como são figuras que
aparecem largamente referidas na bibliografia académica, sendo que, quanto aos três
últimos, não é sequer possível fazer uma pesquisa séria sobre a história e as
tradições da academia de Coimbra sem tropeçar, por diversas vezes, nos seus
nomes [B]. Como exemplo, “Pantaleão”
(Henrique Pereira da Mota) é a figura mais citada do “curso dos cocos”, curso
que foi precursor do uso da cartola e que iniciou a venda da pasta, tradições
que chegaram até aos nossos dias; Pad Zé
(Alberto Costa) fez parte da comissão central do Centenário da Sebenta e é autor
do best seller O livro do Doutor Assis, uma sátira à Coimbra universitária dos
finais do séc. XIX; e Castelão de
Almeida, para além de aparecer conjuntamente com “Pantaleão” em partidas
célebres que fizeram correr tinta em vários jornais (e.g. o casamento do Nunes
de Ranhados), fundou o seu próprio jornal humorístico, O Ponney, que ainda hoje tem uma edição on line em cujo cabeçalho consta o seu nome. Convenhamos que são
factos suficientemente relevantes para passarem despercebidos a quem escreve
sobre tradições académicas de Coimbra!...
A avaliar pela referência que o
livro aponta – (Duarte, 2000) – o erro começou numa simples dissertação de
licenciatura [C], que nem sequer está acessível para consulta. Mas o facto de o
mesmo erro ter já contaminado outros trabalhos [D] de EE anteriores a este
livro mostra bem o perigo da replicação de “fontes inquinadas”. Foi por isso
que contactei o autor e o editor do livro através de mensagens escritas,
sugerindo que tal erro fosse corrigido numa próxima edição [E]. Porém, quase um
mês passado sobre o envio de tais mensagens, não recebi qualquer resposta,
sendo esta a segunda razão que me levou a escrever este post. Errar é humano. Deixar que o erro se propague é que já não me
parece admissível.
Quanto ao
mais, centrando-me apenas nos interfaces do livro com o Penedo d@ Saudade e passando por cima de questões menores [F], só
tenho a regozijar-me com a nota de rodapé 37, onde uma transcrição do post DAS LATADAS À FESTA DAS LATAS – PARTE II aparece como ilustração do que se passava
no século XIX. Como aquele texto é uma descrição do que se passou na minha
latada, serei, por certo, o estudante de Coimbra mais antigo ainda por cá! Um
caso sério de longevidade!
Zé Veloso
[A] Na nota de rodapé 45, EE diz que obteve
o texto do post “Teixeira, um futrica
estudante” acedendo ao link http://penedosaudade.blogspot.pt/2015/03/teixeira-um-futrica-estudante.html,
em 27/09/2015, o que não pode ser verdade, uma vez que o texto que apresenta
foi obtido do link
http://penedosaudade.blogspot.pt/2011/03/taxeira-um-futrica-estudante.html, correspondente
ao post inicial. Este post foi cancelado em Março 2015 para
dar lugar ao post revisto.
[B] Ainda
que Agostinho Antunes seja menos conhecido do que os restantes, ele não deixa
de ser referido por Carminé Nobre no seu Coimbra
de Capa e Batina.
[C] Duarte, Madalena (2000), A taberna e a boémia
coimbrã – Práticas de lazer dos estudantes de Coimbra. Coimbra: FEUC
(diss. de licenciatura).
[D] Em Jovens, estudantes e ‘repúblicos’: Culturas
estudantis e crise de associativismo em Coimbra, publicado na Revista
Crítica de Ciências Sociais em Junho 2008, e em Juventude, boemia e movimentos sociais: culturas e lutas estudantis na
universidade de Coimbra, publicado na Política & Sociedade em Abril
2010, EE refere «Algumas figuras populares de épocas distintas – como o Agostinho
Antunes, o Pantaleão, o Pad Zé, o Castelão de Almeida, o Taxeira, entre outros
– tornaram-se lendárias precisamente devido à sua proximidade com o meio
estudantil, sendo de certo modo apropriados e erigidos em ícones dessa
“academia paralela” que animava os ambientes boémios e contestatários de
Coimbra (Duarte, 2000)».
[E] Em 15/11 pp enviei uma mensagem
privada ao autor do livro, via Facebook, depois de me certificar de que EE era
assíduo utilizador desta ferramenta. Idêntica mensagem foi enviada ao autor e ao editor em 18/11 pp, via Google Books, na página onde o livro se
encontra à venda.
[F] Nenhum dos diversos blogues
citados no livro (excepção feita ao Guitarra
de Coimbra) constam da lista de BIBLIOGRAFIA apresentada nas págs. 227 a
231. Não crendo que se trate de defeito, admito que seja apenas uma questão de
feitio.