Vimos nos posts anteriores (vide Nota no final) que, no seio da Academia de Coimbra nos idos de 1888, os polainas ou polainudos chamavam aos mais modestos e menos bem trajados, os briosos, Academia Briosa, ou Briosa simplesmente. Resta perceber como é que este epíteto de Briosa se colou à equipa de futebol da Académica, a qual só viria a ter o seu primeiro jogo oficial em 28 de Janeiro de 1912, quase três décadas passadas sobre os tumultos no Teatro da Trindade e a saída da Niveleida.
Mas é aí que a porca torce o rabo. Ainda que muito tenha procurado, pouco encontrei que faça uma ligação segura entre aquelas datas e os anos 40 do Séc. passado, o que é, de facto, intrigante e sugere que o termo Briosa tenha estado meio-esquecido ou tenha sido muito pouco utilizado durante algumas décadas.
Passando em revista entrevistas a antigos jogadores e recortes de jornais que aparecem transcritos em livros sobre a nossa Académica de antanho, a palavra Briosa nunca é referida – ou se o é não dei por ela – preferindo-se antes epítetos tais como os estudantes e o team académico. Os próprios livros de António José Soares, que retratam, mês a mês, a Coimbra Académica da primeira metade do Séc. XX, não referem uma única vez aquela palavra mágica!
No entanto…
… Octávio Abrunhosa, pai do músico Pedro Abrunhosa, que cursou Direito entre 1945 e 1951, conta no seu livro de memórias A Academia tinha o seu grupo de futebol, a chamada Associação Académica de Coimbra, a Briosa, como era vulgarmente conhecida…
… e Eduardo Lourenço, que viveu perto do campo de Santa Cruz na década de 40, escreveu para o livro A Académica um texto inédito sobre a sua passagem por Coimbra, onde refere A Académica ou como diziam os castiços, a Briosa…, afirmação que leva a pensar que o termo Briosa, ainda que não sendo utilizado correntemente naquela época, era um termo com origens num passado mais longínquo, mais arreigado à raiz das coisas…, algo que os castiços se encarregavam de não deixar cair em desuso!
É baseado nestes testemunhos – e ainda na singularidade de a palavra Briosa ter servido para designar uma parte da Academia meio século antes – que me atrevo a deixar aqui duas hipóteses de explicação, que manterei como boas até que factos novos as venham contradizer.
A primeira é que, uma vez criada a AAC em 1887, o nome Briosa se lhe tenha de alguma forma colado, fosse porque os seus dirigentes estavam entre aqueles que se opuseram aos polainudos fosse porque a estudantada que aderiu à AAC incluía a arraia miúda, a denominada Academia Briosa.
Para que esta hipótese fique fechada, falta ainda explicar como é que o nome de Briosa, depois de ter servido para designar uma boa parte da Academia e, eventualmente, a própria AAC, teria passado a aplicar-se apenas à sua equipa de Futebol! Mas se nos lembramos de que, durante décadas, aquela equipa foi a face mais visível e emblemática da Academia de Coimbra por todo esse país fora, a hipótese faz algum sentido.
A segunda hipótese é mais engenhosa… e bem mais romântica!
Se procurarmos quais os desportos praticados pelos académicos de Coimbra no primeiro quartel do Séc. XX, encontraremos o ténis, a esgrima, a equitação, a ginástica, o tiro, o remo, a natação, o ciclismo, a luta greco-romana, o atletismo, o basquetebol e... o futebol.
E agora pergunto: – Qual destes desportos é o mais simples e o mais “básico”, qual deles se poderia jogar com menos meios, com menos iniciação técnica, com menos dinheiro, necessitando apenas de uma bola (a dividir por 22) e de um terreno plano, mesmo que fosse a Praça da República (à época Largo de D. Luís)? E qual daqueles desportos seria o mais apropriado para juntar uma equipa de comparsas que através da união fizessem a força e se afirmassem perante os demais?
É claro que é o futebol! E se não foi a equipa de futebol da Académica a chamar para si própria o nome de Briosa, poderiam ter sido os colegas polainudos das modalidades mais elitistas ou, até, os adversários, a botar-lho.
É curioso notar que, em qualquer das hipóteses, o epíteto de Briosa, inicialmente com um âmbito mais lato, foi como que capturado pela equipa de futebol da Académica. Se nos lembrarmos que o emblema que foi desenhado para a equipa de futebol é hoje o emblema de toda a Academia, poderemos dizer que as contas estão saldadas!
Comecei esta série de posts chamando a atenção para a visibilidade crescente da denominação Briosa. É hoje claro que, sobretudo entre a malta nova, a Briosa se tornou mais popular do que a Académica. Basta olhar a blogosfera e o Facebook. É um fenómeno que me parece não acontecer por acaso: numa altura em que a equipa da Académica se torna cada vez menos académica – o jogador-estudante não passa já de uma miragem – a malta agarra-se a outros paradigmas, a outros ícones. E o jogador brioso surge como sucedâneo natural do jogador-estudante.
E assim voltamos, de alguma forma, às nossas origens. Porque o brio sempre foi apanágio dos bons estudantes. É preciso é que a Académica – a Briosa – continue a ser briosa!
Zé Veloso
PS – Chegou-me há alguns anos a informação de que teria sido Cândido de Oliveira quem lançou o nome Briosa, ao vir para Coimbra treinar a Académica em 1955/56. Tal não é compatível com os textos que acima transcrevi. Mas mestre Cândido poderia ter ajudado a reavivar um epíteto que já então existia.
Nota: O tema PORQUE É QUE A BRIOSA É BRIOSA é tratado em 3 crónicas sequenciais: Parte I, Parte II e Parte III.
Nota: O tema PORQUE É QUE A BRIOSA É BRIOSA é tratado em 3 crónicas sequenciais: Parte I, Parte II e Parte III.
Saúdo a excelente iniciativa de divulgar a memória de Coimbra, a velha e a nova, a eterna, com gostaríamos que ela fosse.
ResponderEliminarPorque não dedicar alguns textos à sua canção, ao bela Fado de Coimbra, bem precisado da sua defesa e da sua geral difusão, no conhecimento e no gosto do País.
Dificilmente se gostará dquilo que mal se conhece.
Uma especial saudação de um confrade do Técnico, com especial gosto por Coimbra.
Caro António Viriato,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
Coimbra e a sua vida académica “têm tanto que contar” que me lembram a Nau Catrineta…
Pouco a pouco lá hei-de ir tocando as suas várias facetas, incluindo o fado de Coimbra, embora sobre este tema me considere um mero curioso, face a especialistas (pessoas, sites especializados) que já me têm passado por perto.
Mas talvez não tenha reparado que o Penedo já abordou o fado de Coimbra num post de Junho pp: “Fogueiras de S. João”.
Bem, parece-me que li em tempos que foi um dos último monarcas que usou o epíteto Briosa para designar a Academia.Outro dia ao ler uma crónica de Gonçalo Reis Torgal vi isso mesmo confirmado.
ResponderEliminarCaro anónimo,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
A investigação é um processo contínuo, onde cada novo dado tem de ser confrontado com os anteriores e, a partir daí, as teses já formuladas serão confirmadas, infirmadas ou alteradas. É o que faço constantemente… os temas estão sempre em aberto.
Por isso lhe peço que me diga em que crónica de Reis Torgal leu essa informação, bem como o nome do monarca que refere.
Um abraço,
Zé Veloso
http://www.uc.pt/antigos-estudantes/perfil/Perfil_testemunhos/reis_torgal
ResponderEliminarInfelizmente ainda não encontrei nos meus livros a fonte que explica a origem da aplicação da palavra (BRIOSA) à Academia.
Saudações académicas de um leitor atento
Que textos fantásticos. A segunda hipotese parece muito logical:)
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário.
EliminarUm abraço,
Zé Veloso
Haverá alguma ligação ao nome Briosa? O meu por exemplo é Ivan Briosa. E por coincidência (ou se calhar não) penso que a maior parte da minha família e de perto de Aveiro. E alguns familiares moram em Coimbra.
ResponderEliminarNão lhe sei responder.
EliminarMas tive um colega em Coimbra - que também foi meu colega na tropa - que era da zona de Aveiro e cujo nome de família era Briosa. Talvez seja seu familiar.
Abraço,
Zé Veloso