17 setembro 2010

A FACE OCULTA DA LUA

    No post “A História de um Emblema” transcrevi excertos do escrito de Fernando Pimentel, onde ele nos descreve o quando e o porquê de ter desenhado o emblema da Académica. Nesse artigo ele diz também que o distintivo surgiu num ápice (…) animado pelo fervor académico que sempre entusiasmava a rapaziada do meu tempo (…) e com aquela inspiração que pelo menos uma vez na vida nos bate à porta e nos transforma em génios… mas nada adianta sobre a fonte de inspiração para tão belo trabalho.
    Acredito que tenha sido num ápice. Mas diz o ditado que quem encontra sem procurar é porque já muito procurou sem encontrar. O que andaria então há muito na sua cabeça para que, num ápice, saltasse assim para a prancheta? Donde lhe terá vindo a ideia? E como evoluiu até à versão final? Primeiro a torre e depois as letras ou vice-versa? E o formato em “losango”? De onde lhe veio ideia tão bizarra?
    E porque é que a torre do emblema original - vide cartão do Isabelinha - não tinha pau de bandeira, nem grades no topo, nem ponteiros no relógio, nem sinos, nem mais do que duas janelinhas, para desgosto dos designers de hoje que se engalfinham a esboçar-lhe variantes que não lhe acrescentam nobreza ou elegância alguma? – Ó Dr. Fernando Pimentel! Será que o senhor, que tão bem soube conceber o emblema, não sabia desenhar a torre como ela era? O senhor que, ainda por cima, passou pelas Belas Artes no Porto antes der vir cursar Medicina em Coimbra? Ou será que a torre era diferente àquela data? Ou será que era igual, o doutor sabia desenhá-la, mas por muito boas razões achou que assim ficava melhor?
    Foi a procura de respostas para estas questões que me levou a Coimbra num dia de de verão, fazia o emblema 75 anos de idade.
    Tendo já apurado que a torre, cuja construção custou 14:543$522 reis em 1733, não sofrera qualquer alteração no último século, e tendo na memória o que me fora em pequeno transmitido pelo meu Pai - que a mancha negra do emblema correspondia ao telhado dos Gerais - fui até ao Pátio da Universidade, na esperança de recrear o momento de inspiração do Fernando Pimentel. Ia certo de que a inspiração lhe viera ao contemplar o conjunto arquitectónico dos Gerais, em cuja escadaria não há estudante de Coimbra que não tenha posado para mais tarde recordar...   
    Eram 3 da tarde. Percorri debaixo dum sol implacável o espaço que vai da Porta Férrea ao centro do Pátio. Imaginei como felizes seriam os estudantes de 1927 por terem o pátio coberto de árvores frondosas. Olhei a torre e os Gerais, procurando ajustar o conjunto ao emblema. E aí… 
    ... o espanto foi tanto que cheguei a julgar que era o sol a pino quem me toldava a vista. É que a chave do enigma não estava ali!!! Se o estudante de Medicina se tivesse inspirado na vista de dentro do pátio, o emblema seria outro, com a torre do lado esquerdo!… Afinal, para Fernando Pimentel havia uma outra tomada de vista, do lado de fora do pátio, diferente da que fica normalmente na retina de quantos estudaram em Coimbra.   
    Mas mal tinham começado os meus espantos. Saída a Porta Férrea na procura do “outro lado da lua”, constatei, então, que podemos percorrer toda a Coimbra sem mais encontrar a vista sugerida pelo emblema: a tal pendente do telhado dos Gerais subindo inclinada, a partir da torre, para o seu lado esquerdo. Estranho relevo este duma cidade que só permite tal visão a partir de dois pontos. Um deles no alto da Conchada, demasiado longe e difuso para poder ter inspirado quem quer que fosse. O outro, localizado nos últimos andares de meia dúzia de casas nas Ruas do Loureiro e da Boavista, na encosta a norte da Sé Velha, onde tenho boas razões para pensar que terá vivido ou, pelo menos, estudado, o autor do emblema, daí tirando a inspiração para o seu feito.   
    Não é fácil a um “louco de Lisboa” incomodar meio mundo na procura do melhor ângulo para uma chapa, seja da gateira do telhado num quarto de estudante, seja do cimo dum muro de quintal, seja a partir do Palácio de Sub-Ripas, seja duma janela nas traseiras da casa onde uma placa assinala a passagem de Eça de Queiroz enquanto estudante. Mas, uma vez aí chegados, à vista dos contrafortes daquilo que foi a antiga alcáçova de emires e morada dos primeiros reis de Portugal, é então que nos damos conta da verdadeira forma dos telhados circundantes da torre, onde reside, afinal, a chave para todos os enigmas:
    • Os contornos do emblema terão sido inspirados pelo recorte do telhado poente (à direita na figura), o qual não é visível do interior do Pátio.
    • O emblema terá sido inicialmente imaginado em losango, já que a pendente dos telhados (> 45º) a tal obrigaria.
    • A forma final, quadrangular, poderá ter resultado da necessidade de dar mais estabilidade ao desenho e melhorar a estética geral do emblema.
    • A torre, que já dificilmente cabia no losango, teria fatalmente de ser alterada nas suas proporções ao passar para o quadrado. E a forma mais elegante de o fazer seria estilizá-la e redesenhar a superestrutura, eliminado pormenores como as grades, o pau da bandeira e os sinos, os quais não mais conseguiriam ser arrumados no espaço existente sem ferir o equilíbrio do conjunto.
    Nunca consegui confirmar se Fernando Pimentel viveu ou estudou numa das poucas casas (ou quartos) donde é possível desfrutar aquela vista. Mas depois de ter estado naquela janela… e de ter sentido a força da imagem da torre… tão perto, tão imponente, tão impressiva, juraria que foi dali que saltou a centelha que, no dizer de Fernando Pimentel, pelo menos uma vez na vida nos bate à porta e nos transforma em génios...
    Zé Veloso

19 comentários:

  1. Ricardo Figueiredo22 setembro, 2010 12:22

    Meu caro Veloso
    Formidável.Muito bom
    Grande abraço

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  2. Fiquei deslumbrada com este post. Já há muito tempo que me perguntava como teria surgido o emblema de uma instituição tao importante como a Associação Académica.

    Como estudante da Universidade de Coimbra é sempre importante saber o que envolve esta maravilhosa cidade e cada recanto que ela esconde.

    Amei a genialidade de quem criou o emblema, mas fiquei ainda mais impressionada com o empenho e a genialidade de quem foi procurar a inspiração e o lugar exacto onde surfiu tão fascinante ideia.

    Parabéns Veloso, continue a mostrar Coimbra!

    P.S.: Gostava apenas que explicasse com mais precisão onde é o lugar onde se tem a maravilhosa vista, fiquei com curiosidade de lá ir visitar, mas tenho algumas dúvidas em relação à localização exacta.

    Obrigada por gostar tanto de Coimbra :)

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  3. Obrigado, Diana, pelo seu comentário,
    Fiz a procura que relato no post há já alguns anos e não voltei ao local depois disso. Quando tiver oportunidade hei-de acrescentar ao post um pequeno mapa com a localização da zona a partir da qual aquela vista pode ser obtida e que não é muito extensa. Proponho-lhe o seguinte:
    A partir da Torre de Anto suba em direcção ao palácio de Sub-Ripas, passe por debaixo do arco e, a partir daí, vá olhando em direcção à zona da Torre e vá procurando a tomada de vista em que as pendentes dos dois telhados se tornam ambas visíveis contra o céu. Perceberá então o que eu escrevi e ficará impressionada com a imponência da torre vista dali, emergindo não do chão (como estamos habituados a vê-la), mas sim dos telhados. Procure uma casa que tem à porta uma placa com a indicação de que aí viveu Eça de Queiroz no seu tempo de estudante. Não tenho já a certeza se é daí o enfiamento certo mas tenho ideia de que é. Há outras casas nas redondezas donde é possível ter a mesma vista… a dificuldade é encontrar alguém lá dentro e deixarem-nos entrar. Eu já passei por isso…

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  4. Genial, Zé, genial!!! Fantástica essa tua intuição que te levou ao “outro lado da lua”... Grande XiCoração!

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  5. Numa palavra: Magnífico!

    Saudações Académicas!

    Vasco Ramos

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  6. Sem dúvida! Muito bom!
    Para quem viveu Coimbra, isto é muito mais do que uma resposta a uma questão que nos terá surgido inúmeras vezes, é mais uma viagem aos recantos escondidos, às memórias que esta cidade encerra, aos seus mistérios e aos segredos que tanto nos despertam e inspiram.

    Saudações Académicas
    Ana Carvalho Fonseca
    CMB 2002-2006

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  7. Augusto Carmona da Mota28 setembro, 2010 10:38

    As pessoas esquecem que o Dr. Pimentel vinha do Norte; assim a primeira vista da Torre foi a que ficou registada...

    Tambem os "LySOS" quando sairam de Coimbra rumo ao Porto, levaram consigo a imagem da Torre tal como figura no 'Losango'!

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  8. Obrigada por descobrir e partilhar tudo isto!
    Foi impressão minha, ou já se falou neste blogue numa visita guiada por Coimbra? Sugiro com almoço ou jantar!
    Um grande bem-haja,
    Andrea

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  9. Não sou estudante de Coimbra, sou um ousado estudante nortenho que foi descobrir os Algarves, e por lá estuda, mas Coimbra não me fica indiferente! Há qualquer coisa por lá que me move... Magia dizem uns. Concordo com esses, pois de facto quando lá passo, o meu estado de espírito muda, e um olhar trocado a dois com a Velha Torre arrepia-me. Descobri à pouco tempo este blog, mas quando posso, dou um saltinho aqui e venho conhecer a cidade e a Academia que um dia gostava de poder fazer parte. Hoje, não troco a minha Academia nem o meu Traje Académico, mas Coimbra chama o meu nome e fico num impasse!

    No último comentário, li que se faria uma visita guiada a Coimbra... o post já foi há quase um ano, no entanto, gostava que me saber se essa iniciativa foi realizada ou se ainda se poderá realizar. Caso ainda se vá realizar, mesmo eu ainda sendo anónimo, gostaria imenso de participar.

    Parabéns pelo excelente trabalho, e continue com o blog.

    Saudações Académicas,
    Bruno Pinto

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  10. Caro Bruno Pinto,
    Gostei muito de ler o seu comentário.... Coimbra tem aquela coisa, não é?
    E a torre vista de perto, faz mesmo vibrar.
    A tal visita guiada foi algo que aqui foi alvitrado mas acho que, ao vivo, será sempre difícil de concretizar. Mas continuo empenhado em ir proporcionando visitas virtuais, através dos posts que sucessivamente vão aparecendo.
    Sugiro-lhe que acompanhe a página do "Penedo d@ Saudade" no Facebook, onde vou anunciando as novidades e interagindo de forma mais dinâmica com os leitores do blogue
    Um abraço,
    Zé Veloso

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  11. Gostei de entrar em contacto com seu blog e apreciar o que escreve sobre Coimbra!
    Vou coloca-lo nos blogues com interesse a serem visitados no meu blog www.encontrogeracoesbnm.blogspot.com.
    É um blog que aglutina antigos e actuais moradores do Bairro Norton de Matos .Como ADM realizei em 2008 o Grande Encontro de Gerações de antigos e actuais moradores do Bairro, que já não se viam, a grande maioria, há mais de 40 anos!
    Desde essa data têm-se realizado todos os anos os aniversários desse encontro GEG.
    Nasci em 1936, em Penela.
    Vim para Coimbra com 14 anos.
    Estudei no Colégio São Pedro.
    Com 24 anos fui para Cantanhede, onde trabalhei nos Correios durante 20 anos.
    Actualmente continuo a viver no Bairro novamente desde 1980.

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  12. Caro Dom Rafael,
    Obrigado pelo seu comentário e também por ir colocar o “Penedo d@ Saudade” entre os blogues com interesse em ser visitados.
    Nunca vivi no Bairro Norton de Matos mas nos anos 50 e 60 visitava-o frequentemente, ainda ele era Bairro Marechal Carmona. Morava lá uma família de que era muito amigo – a fa mília Cortes – e, para além disso, tive um duo de violas – tipo Ouro Negro – com um meu colega de liceu, no 7.º ano, (Castro Silva? Castro Santos?) que era vizinho do Rui Pato.
    Acho muito interessante que a malta do Bairro se continue a encontrar, percebendo-se, até pela blogosfera, que há entre todos vós (incluindo os que já lá não moram) um grande espírito de corpo.
    Passarei a seguir o seu blogue.
    Um abraço,
    Zé Veloso

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  13. Esmeralda Antas29 janeiro, 2012 17:24

    Finalmente, cheguei aqui! Que bom! Vou ler tudo mais devagar! Vou saborear e sentir cada palavra que leio. Obrigada! Viva a Académica!

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  14. Obrigado, Esmeralda Antas.
    Viva a Académica!
    Zé Veloso

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  15. Tenho-me questionado bastante sobre a origem do losango, não terá que ver com isto?

    http://maps.google.com/maps?q=coimbra&hl=en&ll=40.207861,-8.419379&spn=0.007088,0.016512&sll=37.0625,-95.677068&sspn=59.249168,135.263672&t=h&hnear=Coimbra,+Portugal&z=17

    A Rua Alexandre Herculano a ser a recta central do mesmo? O que acham? Será que tem mesmo haver com telhados e afins?

    Para mim a disposição das ruas levou a que os restantes elementos ficassem encaixados dentro do losango criado pelas ruas.

    Abraço!

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    1. Obrigado, Luís Maltez, por ter aqui trazido a sua opinião.
      Tudo são hipóteses, conjecturas... quem saberia responder já não está entre nós.
      Um abraço,
      Zé Veloso

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    2. Caro Luís Maltez,
      Depois da entrada do comentário do Anónimo mais abaixo acho que a "teoria dos telhados e afins" começa a ter também fundações.

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  16. Já outro dia penso que deixei aqui dito o que um familiar do Dr.Pimentel me relatou,como não encontro o que escrevi lá vai.

    O nosso artista só não foi para Belas Artes por serem muitos irmãos e, encontrando-se a nossa Universidade, até hoje, amputada de estudos artísticos puros e duros...

    Vivia na rua António Vasconcelos e foi daí que captou a imagem. Não confirmei ainda se o ângulo é esse, mas é o que corre na família.
    Se estiver interessado, penso não ser impossível fazê-lo chegar à fala com um familiar do Dr. Pimentel.

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    1. Viva!
      Muito obrigado pelo seu comentário que só agora aqui deu entrada. Possivelmente, o anterior não terá ficado registado. A sua informação é preciosa porque me permite afinar a hipótese que vinha formulando. Eu tinha chegado à conclusão de que só havia dois pontos em Coimbra de onde poderia ter saído a inspiração para o emblema, que eram os pontos que correspondiam ao alinhamento perfeito dos telhados com a torre no meio deles. Conforme escrevi, um desses pontos corresponderia a determinado lugar «no alto da Conchada, demasiado longe e difuso para poder ter inspirado quem quer que fosse». Mas, a confirmar-se que o Fernando Pimentel vivia na Rua António Vasconcelos, então ele era muito mais artista ainda do que eu supunha...
      A dita rua não está muito longe do ponto que imaginei no alto da Conchada; a vista estará um tudo-nada distorcida mas tal não impediu que a centelha da inspiração saltasse.
      De facto, gostaria de poder chegar à fala com algum familiar do Dr. Fernando Pimentel, não apenas por ser uma figura que me fascinou mas também porque gostaria de conhecer mais detalhes sobre a casa, nomeadamente, se possível, o número da porta e o andar.
      O meu e-mail é jveloso700@gmail.com. Fico a aguardar o seu contacto.
      Um abraço
      Zé Veloso

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